27 de abr. de 2016

PRESIDENTE BIBELÔ


Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil (28/04/2015) Fotos Públicas

As exigências feitas pelo PSDB para apoiar um possível governo Temer são no mínimo indecentes. Mais do que tornar o talvez provável futuro presidente do Brasil em um refém de seus interesses presidenciais maniqueístas, os tucanos querem promover Temer de vice-presidente de fachada para presidente bibelô, o legítimo vaquinha de presépio.

A sanha peessedebista em voltar à presidência do país de forma indireta já se tornou obsessão.

De duas, uma: ou os tucanos querem ferrar o vice-presidente, inviabilizando seu provável mandato presidencial antes mesmo dele acontecer, ou querem ser dispensados por Temer, invés do próprio PSDB se dispensar por si só de um provável governo peemedebista. De uma forma ou de outra, o tucanato dá sinais claros que quer vencer Temer pelo cansaço.

De negociata em negociata, o Brasil vai se notabilizando como uma República de golpistas.

Ao exigir que Michel Temer não concorra à reeleição em 2018 e impedir que o PMDB lance candidatos próprios nas principais cidades do país nas eleições a prefeito desse ano e na dos governos estaduais daqui há dois anos, os tucanos querem algo inédito: fazer com que um partido se torne primeiro-ministro, quando o natural é que um político o seja. 

Agindo assim, FHC, Aécio e companhia ilimitada governariam indiretamente o país e anulariam as possíveis ações temerescas revanchistas e traiçoeiras. O PSDB conhece bem sua presa, sabe que Michel de anjo só tem o nome e que apesar disso não é nada confiável.

Foto: ASCOM/VPR (25/04/2016) Fotos Públicas

A propósito, as ideias de Temer não se realizam na pessoa do vice-presidente do país, muito pelo contrário, são inviabilizadas pelo comportamento e pelas atitudes questionáveis do atual presidente licenciado do PMDB.

Entre quiproquós e trocadilhos, enquanto os pares não se entendem, pesquisa realizada pelo Instituto Ibope Inteligência apontou que somente 14% dos brasileiros de dizem satisfeitos com a democracia, 34% dizem estar poucos satisfeitos e 49% nada satisfeitos.

A desilusão da população com o atual quadro político não para por aí. Só 40% afirmaram que a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo, e o que é pior, para 34% dá na mesma se um regime é democrático ou não.

Situação preocupante, já que, de acordo com o estudo, o brasileiro demonstra que pouco se importa com a possibilidade da existência de um regime autoritário.

Nessa briga entre mocinhos e bandidos não vai ser difícil separar o joio do trigo, posto que, nesse balaio que a política nacional se tornou, há excesso de joio e escassez de trigo.

De qualquer forma, acordos entre PSDB e PMDB devem ser registrados em cartório e com firma reconhecida, afinal de contas, vai que...

20 de abr. de 2016

ENTRE O CÉU E O INFERNO


Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil (26/06/2015) Fotos Públicas

Foto: Lula Marques/Agência PT (18/08/2015) Fotos Públicas

O Senado nem sequer acatou formalmente o processo de impedimento da presidente e os futuros apoiadores do provável governo Temer já começam a dar sinais de desentendimento entre si, confirmando que o apoio ao impeachment será a moeda de troca utilizada para o pagamento dos mais de 300 votos contrários à permanência de Dilma no comando do país.

Sim, a fatura chegou mais rápido do que se esperava.

Temer já articula nomes para seu mandato presidencial como se já tivesse sido empossado. Entre recusas e aceitações publicamente não declaradas, o ainda vice-presidente vai efetivando sua chegada ao poder.

A estratégia é escolher nomes que impactem e conquistem a população e agradem o mercado.

Medidas muito ousadas não serão adotadas de início, mas, a julgar pelas propostas contidas no plano de governo divulgadas há meses sob o nome de “Uma ponte para o futuro”, políticas neoliberais serão o destaque e a tônica inevitável do provável futuro presidente do Brasil.

Nesse jogo de cartas marcadas, a guerra de afirmações também já foi declarada, tanto é que a imprensa, em informações oficiosas, já divulga que Temer não pretende acabar com os programas sociais, bandeira vitoriosa da administração petista, mas em atualizar esses programas. O risco é saber qual é o significado de atualizar no dicionário temeresco.

Longe de ser uma unanimidade entre a população, o apoio declarado ao muito provável governo Temer também não está consumado ou garantido por parte de alguns partidos até então alinhados com o vice-presidente em relação a aprovação do impeachment.

É o caso do PSDB que, como sempre, nunca está totalmente afinando nem interna nem externamente entre si.

Enquanto há alguns nomes do partido apoiam que embarque total no barco de Temer, outros são contrários e acreditam que o PSDB estaria entrando em uma canoa furada e defendem um apoio seletivo ao governo do peemedebista, como é o caso do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.

Alckmin não está preocupado com o partido, mas com suas intenções políticas para 2018 ou mais precisamente com a possibilidade do também sempre presidenciável José Serra se tornar ministro de Temer. 

Se Serra aceita e se dá bem, pode levar a melhor na disputa com Aécio e o próprio Alckmin pela indicação do partido como concorrente a presidência nas próximas eleições.

De uma forma ou de outra, o PSDB está em um mato sem cachorro e diante de um dilema político: se apoia Temer e o governo dele emplaca, com que argumentos e moral poderá se contrapor à uma possível, e muito provável, candidatura de Temer à reeleição em 2018?

Se fica de fora e o governo Temer emplaca, quais os argumentos que usará para atacar um governo que deu certo? 

Se aceita e o governo Temer for mal, com que moral poderá criticar ou atacar um governo do qual fez parte e ajudou a colocar no poder? 

Pelo que tudo indica, Temer e o PSDB podem se tornar o céu ou o inferno um do outro. Sem direito a purgatório.

14 de abr. de 2016

CIDADE NEGRA

Haitianos ocupam a cidade, submetem-se ao trabalho informal como mão de obra barata e se tornam a cara da nova onda migratória em São Paulo

Foto: Cido Marques/FCC (18/05/2014) Fotos Públicas

A avenida São João, localizada centro de São Paulo, é um dos cartões postais mais famosos da cidade. No início do século XX era conhecida por sua constante agitação cultural e por abrigar, além de cinemas, teatros e lojas especializadas no comércio de calçados e guarda-chuvas, um grande número de migrantes e de imigrantes. Já foi cantada em verso e prosa por poetas e músicos, como o cantor Caetano Veloso que a imortalizou em Sampa, considerado por alguns um hino à cidade.

Nos últimos dois anos, entretanto, quem passa ao longo da São João percebe que é outro movimento e outros sons, ou mais precisamente, outros sotaques que têm ocupado a avenida e ecoado nas lojas, bares, hotéis e ruas ao redor: Os imigrantes haitianos são os novos habitantes do pedaço.

Segundo dados oficiais. dos 1,7 milhão de estrangeiros de 85 nacionalidades que vieram para o Brasil desde 2011, pelos menos 600 mil vivem na capital paulista e os haitianos são o exemplo mais visível do aumento exponencial do número de estrangeiros que passaram a viver na terra da garoa, recentemente.

A quantidade de haitianos que buscam refúgio ou uma nova oportunidade de vida nas regiões paulistanas passou de 814 em 2011 para 14579 em 2013, população que chega a ser duas vezes maior do que a de muitas cidades do interior de Minas Gerais. 

Vindos de outro sonho infeliz de cidade, são os eles, e não mais os italianos, portugueses, espanhóis, libaneses e nordestinos, os novos moradores da avenida São João que têm aprendido depressa a chamar São Paulo de realidade.

Fugidos ou expulsos de sua terra natal pelo terremoto que devastou o país em 2010, parece até que serviram de inspiração para outra música famosa de Caetano, Haiti, cuja letra e refrão refletem a dor, indignação, desrespeito e sofrimento dos negros brasileiros e que cai como uma luva em ralação à situação que os nativos de Porto Príncipe vêm enfrentando na cidade: “O Haiti é aqui. O Haiti não é aqui”.

Muitos vêm exercendo atividades técnicas e braçais na construção civil. Outros têm sobrevivido como camelôs ou se submetendo a trabalhar em média 14 horas por dia em condições semiescravas e degradantes para ganhar até um salário mínimo, embora possuam um perfil não muito diferente do perfil do brasileiro médio, segundo pesquisa realizada pela PUC-MG que apontou que a maioria tem segundo grau incompleto e faixa etária entre 25 e 34 anos.

Exploração e preconceito

Foto: Fernando Pereira/SECOM (06/05/2014) Fotos Públicas

Os irmãos Rony, 26 anos, e Roniel, 25 anos, são exemplos de imigrantes que viveram a exploração de mão de obra na cidade. Expulsos do Haiti pelo terremoto que devastou o país em 2010, onde perderam os pais e dois irmãos que nunca tiveram os corpos encontrados e identificados, eles estão no Brasil há 18 meses.

Chegaram a trabalhar 16 horas diárias como serventes de pedreiro na construção civil e depois como ajudantes de cozinha em um restaurante Self service. “Trabalhávamos em troca de comida e de um rendimento de R$ 540,00. Como tínhamos que pagar, cada um, R$ 300,00 de aluguel em um quarto de pensão, não sobrava nada”, afirmam chateados. 

Inconformados com o desrespeito, resolveram dar a volta por cima, decretaram a independência e hoje chegam a ganhar até R$ 1000,00 vendendo relógios por R$ 30,00 na região da Praça da República em São Paulo.

Sentem-se beneficiados porque os “rapas” não caem em cima deles. “Pelo fato de não sermos brasileiros, eles não tomam nossos produtos. Acho que têm medo de sofrer alguma punição do governo, da delegacia de imigração”, confessa Jacquet, aliviado, mas um tanto decepcionado com o Brasil por acreditar que iria encontrar um emprego decente com possibilidade de estabilidade financeira em um médio prazo.

As funções subalternas ou de pouca valorização profissional e as péssima condições de trabalho que são oferecidos aos imigrantes não acontece somente no Brasil. É assim também na Europa. 

Segundo o economista e sociólogo José de Almeida Amaral Júnior, o europeu também não bota a mão no trabalho mais pesado. “As antigas colônias migram para as metrópoles para buscar emprego e o emprego que vão ter não é o de professor, mas de lavador de pratos, limpador de banheiro e varredor de chão”, afirma.

Apesar de existirem leis brasileiras rígidas que proíbem a contratação ilegal e a exploração da mão obra imigrante, a fiscalização ainda deixa a desejar e muitos imigrantes acabam cedendo às exigências desrespeitosas de quem pode contratar. 

Vivem o tempo todo na corda bamba e presos a um dilema: não podem voltar aos seus países de origem porque não têm mais dinheiro e não conseguem continuar por aqui sem ter onde morar ou o que comer.

Para Amaral, no Brasil, os haitianos encontram outro problema: o preconceito. “Algumas pessoas reclamam porque eles são haitianos. Porque o cara é negro. Se fosse alemão, italiano francês ou português ou se achassem eles bonitinhos e de olho claro, não tinha erro. Se o cara é negro, haitiano ou angolano, reclama-se. Não pelo desequilíbrio do mercado ou pelo medo do desemprego, mas por preconceito mesmo, porque se o país tem pleno emprego pode absorver todos esses migrantes. ”, sentencia.

Amaral acredita que, por enquanto, a onda de imigração não tem solução, afinal o mundo está em crise e é uma crise séria. Não há perspectivas de uma melhora relativamente rápida. 

Um país ou outro ainda consegue se safar, “mas de um modo geral a economia mundial está devagar no sentido de não poder absorver de uma forma fácil a mão de obra que vem de outro lugar. “Se a economia vai bem e está funcionando, até no deserto os Tuaregs vivem”, conclui.

A exceção e a regra
Foto: Laura Daudén/Conectas.org (29/04/2014) Fotos Públicas

Mas, como toda regra tem exceção, há também quem tem sorte em meio a esse turbilhão de dúvidas e incertezas econômicas. É o caso de Jacques Card Renel, 38 anos. No Brasil há apenas seis meses e Adventista do Sétimo Dia, Renel conseguiu um emprego registrado na Igreja Batista da Liberdade.

Professor de costura e costureiro no Haiti, pai de um casal de filhos que deixou por lá e dos quais morre de saudade, mãos calejadas e olhos marejados de lágrimas, Edi, como é conhecido na igreja, sente-se abençoado e feliz, mesmo trabalhando como auxiliar de serviços gerais.

“No Brasil está difícil até para os brasileiros encontrarem emprego, mas graças a Deus e aos irmãos da igreja consegui um trabalho que me dá um salário bom e que me permite ajudar meus filhos e minha família que ficou em Porto Príncipe, confessa aliviado.

Renel, que fala fluentemente francês, inglês, espanhol, criolo, já “arranha” bem português. Diz estar satisfeito e feliz e confessa que dificilmente volta a morar no Haiti, que o seu maior sonho é conseguir uma residência e trazer a família para o Brasil.

Jacques Renel não tem sido o único abençoado. As igrejas vêm se notabilizando como o lugar onde outros muitos imigrantes têm encontrado conforto espiritual e abrigo.

Católicos e evangélicos dividem a atenção e a preferência dos povos africanos que chegam ao Brasil. É o caso Igreja Adventista do Sétimo Dia Central Paulistana e da Paróquia Nossa Senhora da Paz.

Elas já receberam mais de 10 mil imigrantes de várias nacionalidades, inclusive exilados e refugiados. Oferecem aulas de português, acompanhamento jurídico, social, psicológico, orientação profissional, acompanhamento médico e encaminhamento ao emprego. “A missão principal é o amor ao próximo e o cumprimento do “ide” de Jesus”, afirma o administrador da Liber – Igreja Batista da Liberdade – Francisco Rissato.

Habitantes do novo quilombo de Zumbi que São Paulo se tornou nos últimos anos, os imigrantes só querem é ser feliz. Suas histórias parecidas e realidades semelhantes têm marcado a vida e o dia a dia da não mais túmulo do samba e da não tanto terra da garoa.

São homens e mulheres que, apesar da dor, do banzo e da distância, têm resistido, para mostrar “aos outros quase pretos (e são todos quase pretos) a grandeza épica de um povo em formação”, que há lugar para todos na terra dos mil povos e que dá para viver um sonho feliz de cidade na Pan-America de Áfricas utópicas.

Que o sonho deles seja possível, que todos sejam bem-vindos e que a exceção - aqueles que têm se dado bem - se torne a regra.

O ABC DA IMIGRAÇÃO

IMIGRANTE: Pessoa que imigra ou imigrou, que entra em um país estrangeiro com o objetivo de residir ou trabalhar.

EMIGRANTE: Êxodo de indivíduos ou grupos, considerado do ponto de vista do país de origem. No âmbito sociológico, a emigração consiste no abandono voluntário do seu país de origem, por motivos políticos, econômicos, religiosos etc.

ASILADO: Que recebeu asilo, refúgio.

ASILADO POLÍTICO: Sob proteção ou, em determinadas circunstâncias e sob determinadas condições. É dada no território de um Estado ou de suas missões diplomáticas creditadas no exterior para pessoas perseguidas por suas opiniões políticas, crenças religiosas ou as suas condições étnicas.

EXILADO: Que foi exilado ou se exilou, banido, degredado, deportado, desterrado, expatriado, proscrito, despatriado.

REFUGIADO:  Indivíduo que se mudou para um lugar seguro, buscando proteção. Aquele que foi obrigado a sair de sua terra natal por qualquer tipo de perseguição; quem se refugiou; pessoa que busca escapar de um perigo. Refugiado político. Quem foi obrigado a deixar sua pátria por sofrer perseguição política.

TEMPORÁRIO: É quando uma pessoa vai para um lugar e depois de um tempo volta ou vai e volta depois de um longo tempo.

PERMANENTE: Quem foi autorizado a estabelecer residência fixa em outro país por trabalho permanente ou por ter estabelecido vínculos familiares com pessoas do país em que passou a viver.

COIOTE: Traficante de seres humanos ou que, mediante extorsão e pagamento de dinheiro, abusos físicos, estupro, submetem pessoas às suas vontades em troca de liberdade ou permissão para entrar ou sair de uma região.

Clique aqui e confira também a entrevista com o economista e professor José Amaral.