16 de dez. de 2016

FUTURO AMEAÇADO

Reforma da Previdência, Aposentados, Pensionistas, INSS
Reforma da Previdência = Encruzilhada
Foto: Pixabay Public Domain
Na última entrevista da série sobre a Reforma da Previdência, o economista Antônio Bruno Carvalho Morales e a advogada previdenciária Marta Gueller debatem o tema e comentam alguns pontos polêmicos das propostas do governo Temer.

BLOG DO JOAQUIM: Uma das discussões que têm provocado divergências entre o governo e especialistas em relação à reforma e à estrutura da Previdência é se há ou não déficit previdenciário. Qual a opinião dos senhores a respeito?

MARTA GUELLER: No meu ponto de vista esse déficit é uma criação porque alguém tem que pagar a conta. Se você entrar no site da Anfip – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (www.anfip.org.br) – vai verificar ali que existem os grandes devedores. Por que, se há uma dívida, não se executa os grandes devedores da Previdência Social? As grandes empresas, multinacionais, a União, os estados e municípios, todos eles devem para a Previdência.

BJ: Então falta fiscalização?

MARTA GUELLER: Ora, se há um déficit, ele é causado por falta de execução dessas entidades. Segunda coisa, o déficit é cantado em função de uma capitalização, igual ao regime chileno que não é o nosso. Se computarmos apenas a contribuição do segurado e não incluir outros tributos, ao projetar isso lá para 2050, se nada for feito, aí sim termos um déficit.

BJ: Existem distorções nas leis?

MARTA GUELLER: Sim, existem distorções nas leis. Por exemplo, defere-se auxílios-doença, mas não se tem peritos suficientes para fazer as pericias nas pessoas que estão realmente doentes ou que recebem benefício por invalidez. Às vezes, esses benefícios têm caráter reversivo, eles podem ser cancelados, desde que essas pessoas sejam convocadas periodicamente para que seja verificado se elas estão realmente incapacitadas.

BJ: Se essas distorções não são corrigidas, o que ocorre?

MARTA GUELLER: Se não se faz isso ou se é omisso, claro que vai se estar gerando uma despesa desnecessária. Essas pessoas deixam de contribuir economicamente para a Nação e se transformam em um ônus causado por culpa da inoperância do próprio sistema. Outro exemplo são as pensões por morte. Esses benefícios têm mesmo de ser de 100%, já que houve uma diminuição no número de pessoas naquele lar e, portanto, uma diminuição de despesas? Isso também tem de ser mudado. E não se diminuir um direito social mudando o piso, desvinculando do mínimo. Não há unidade mínima. Outro aspecto é que não se pode impor uma idade mínima igual aos países superdesenvolvidos onde se paga o benéfico quando realmente se aposenta. Aqui no Brasil, não. O aposentado continua trabalhando porque começa a trabalhar muito cedo e tem que continuar trabalhando mesmo depois que alcançou a aposentadoria. Tem que haver um debate com a sociedade antes.

BJ: De que modo isso favorece a afirmação de que a Previdência está quebrada?

MARTA GULLER: Não se pode partir de uma premissa, que não é verdadeira, e que diz que a Previdência está quebrada. Ora, se está quebrada, porque é que eu vou contribuir? Porque sou obrigado. Eles descontam do meu salário. O brasileiro é muito criativo também. Ele cria artifícios. O próprio Poder Legislativo faz leis para desonerar aquele que está contribuindo. Daí ele vai contribuir menos, vai ter um benefício menor. Foi assim que se criou a terceirização no Brasil. Se você vai na Justiça do Trabalho vai ver que há um número enorme de ações para reconhecer um vínculo trabalhista quando essas pessoas trabalharam, geraram economia, mas não contribuíram para a Presidência. Oficializou-se esse tipo de relação. A terceirização virou uma fórmula do empregador não pagar a parte dele.

BJ: Qual a melhor maneira de resolver essa questão?

MARTA GUELLER: Temos que escrever tudo de novo, mas não sem a discussão e a participação ampla da sociedade. Mandar uma reforma escrita para ser aprovada a toque de caixa porque isso seria a salvação da economia brasileira não resolve. O Brasil está inserido no planeta terra e o planeta terra está em crise. Não dá para dizer que a culpa é da Previdência.

ANTÔNIO BRUNO MORALES: Primeiramente, gostaria de ressaltar que eu e a Doutora Marta temos pontos de acordo. De fato, eu também acho surreal a forma de aposentadoria dos militares. Também acho que quando alguém vem a óbito é obvio que tem que se dá auxilio à família, mas talvez nós estejamos conduzindo isso de maneira errada.  Porém, discordo em relação ao que foi falado sobre o déficit. Nós temos um déficit real. Projeções do governo estimam que chegue a R$ 100 bilhões esse ano. Temos um problema econômico pratico, de fato.

BJ: Do ponto de vista legal, com o que é que o senhor também concorda e qual solução vê no curto prazo?

ANTÔNIO BRUNO MORALES: Do ponto de vista legal não estou habilitado a julgar quem deve o que, mas do ponto de vista de um economista que tem que gerar receita, temos que lidar com esse problema. Acredito que, pelo menos a curto prazo, a melhor solução é termos uma idade mínima superior. Talvez não a mesma dos países desenvolvidos, talvez a maneira como isso está sendo conduzido, e aí concordo com a Marta, a sociedade como um todo tem de participar desse processo. Tem que ir às ruas. Concordo também que os que são mais interessados são os que estão se mobilizando. Isso também é fato porque na prática são eles que vão sofrer no curto prazo. Eles já estão aí vendo a discussão como um todo afetando a vida deles e nem tanto a dos mais jovens.

MARTA GULLER: Ainda em relação à idade mínima, no Acre, por exemplo, a expectativa de sobrevida não é essa do IBGE ou a mesma para o sudeste. Lá as pessoas chegam aos 63 anos. Se você puser uma idade mínima de 65 anos, ninguém vai receber benefício nenhum.

BJ: O presidente Temer afirma que todos têm que uma parcela de sacrifício para que a reforma ocorra e para que os problemas da Previdência Social sejam resolvidos. Dá para colocar todo mundo em um mesmo patamar?

ANTÔNIO BRUNO MORALES: Acredito que não. É obvio que quem vai sofrer mais são os mais pobres. Historicamente é assim. O discurso parece que está levando a isso. Como economista fico chateado com esse fato, mas é um fato. Acredito que, usando as palavras da Doutora Marta, deveria haver um certo tipo de desigualdade para gerir isso. De forma melhor e mais humanitária.

MARTA GULLER: Na minha opinião, as mulheres vão pagar com maior sacrifício porque eles querem igualar homens e mulheres. Hoje as mulheres se aposentam com 30 anos de contribuição, os homens com 35 anos. No regime geral, sem idade mínima. No regime próprio, elas se aposentam também com 30 anos e 35, os homens, mas com idade mínima de 55 para as mulheres e de 60 para os homens. Tem que ter os dois requisitos para se obter o benefício. O que acha que vai acontecer no regime geral? Eles vão criar uma idade mínima, que a gente não sabe se vai ser aprovada uma idade mínima de 60 para as mulheres e 65 anos para os homens, mas que vai ter essa desigualdade. A princípio, o que se pretende é igualar homens e mulheres. Há quem vá dizer que elas são iguais para tantas coisas, e elas querem ser iguais aos homens, mas, no mercado de trabalho, não são.

BJ: E em relação à escolaridade?

MARTA GULLER: Em relação à escolaridade você tem menos desigualdade entre salários e oportunidades de emprego para homens e mulheres. Porém, se formos verificar nas camadas mais pobres, os salários são diferentes. As mulheres ganham menos. E ainda tem a questão da tripla jornada. Eu sou a favor de continuarmos com a diferença de idade entre homens e mulheres, apesar de, estatisticamente, as mulheres viverem mais. Porém, vivem mais porque se cuidam mais. Fazem exames preventivos com maior frequência, são mais cuidadosas. Entretanto, por serem mais cuidadosas, não podem pagar mais por isso. Pelos menos enquanto houver essa diferença de tratamento e esse preconceito em relação à mulher que engravida, que se afasta do trabalho.

BJ: Os casais estão tendo menos filho. Qual a possibilidade desse fato também ser considerado e contemplado na reforma previdenciária?

MARTA GULLER: Se nós estamos preocupados com o déficit e a crise da Previdência temos que fazer alguma coisa para incentivar esse crescimento vegetativo que parece que em pouco tempo será negativo, já que hoje cada mulher quando tem filho tem apenas um. Você não pode ter um e meio, então só tem um. O governo deveria prevê na reforma alguma coisa que ajudasse a incentivar as mulheres a terem filhos.  Já que estão nos comparando aos países superdesenvolvidos como a Suécia, lá as mulheres podem ter 24 meses de licença maternidade. Então, porque não colocar isso aqui no Brasil? Alguma coisa tem que ser feita para que a mulher se veja com vontade de ter um filho, um brasileirinho para fazer um país melhor.

BJ: Nos últimos anos, o Mercado tem influenciado muito as decisões adotadas pelos governantes brasileiros. Por outro lado, os interesses políticos têm condicionados os governos, tornando-os reféns dos humores das agremiações partidárias. Qual o peso que o Mercado vai ter na reforma da Previdência?

ANTÔNIO BRUNO MORALES: Principalmente nesse momento é um peso que não é desconsiderável.  É um peso até muito importante. Primeiro porque, um dos principais fatores para nós discutimos, além do déficit, é o fato de estarmos em crise em termos de PIB. Estamos com expectativas de taxas de crescimento negativas, tanto para esse ano quanto para o ano que vem. Isso naturalmente dificulta as contas porque ao crescer menos, arrecadamos menos. Geramos menos renda e isso naturalmente dificulta o processo. Em termos político, isso vai refletir também de forma natural, principalmente porque o governo atual é um governo de transição resultante de um processo de impeachment e o Congresso, o Senado e o Executivo ainda estão se readaptando.

Reforma da Previdência, Aposentados, Pensionistas, INSS
Reforma deixa  a aposentadoria tranquila mais distante
Foto: Pixabay Public Domain


BJ: Como fazer com que o que entra como contribuição sai como benefício sem provocar prejuízos sociais?

MARTA GUELLER: Fazendo as reformas que são necessárias e a lição de casa que o INSS não faz hoje. Contratando peritos, existem estudos que dizem que quando a pessoa está doente ele tem que ficar o menor tempo possível afastada do trabalho porque ela vai voltar à atividade mais rápido. Hoje a pessoa que está doente vai ao SUS que, mediante uma cartinha dada pelo empregador, dá o afastamento por 15 dias e passou disso ele entra na caixa e começa a receber o benefício. No máximo, dependendo da atividade que se exerce, em 30 dias já se pode voltar ao trabalho, mas o hospital, em caso de necessidade de cirurgia, só vai ter disponibilidade só nos próximos dois anos e meio. Então, ele vai ficar 30 meses esperando por uma cirurgia e só voltar para o trabalho somente um mês depois da recuperação. Nem ele nem o empregador vão aceitar um ao outro. Está tudo errado.

BJ: Existem hoje cerca de R$ 370 bilhões que deixam de ser arrecadados pela Previdência. Segundo informações Ministério da Previdência Social, decorrete falta de pagamento da contribuição previdenciária por parte de grandes empresas, clubes de futebol, multinacionais, universidades, prefeituras, conglomerados jornalísticos, etc. Porque esses grupos não são cobrados devidamente pela Previdência?

MARTA GUELLER: Essa é a questão que não quer calar. Eles são cobrados, há uma execução, o Procurador do INSS ajuíza a ação de execução, eles se defendem, o processo de alonga e pode durar até 24 anos. Nesse período vem o Refis, que é o refinanciamento, daí vem uma lei que permite o parcelamento em 20 anos de uma dívida que rolou por quase três décadas e sabe-se lá como vai ser paga.  É esse o problema do Brasil.

ANTÔNIO BRUNO MORALES: Concordo 100%, principalmente em termos de economia política. Parece que, aparentemente, todos esses grupos que foram citados que, por algum motivo que não sei qual, são beneficiados de maneira desigual. O ideal é que fossem cobrados de maneira adequada, mas sabemos que temos lobbys políticos com interesses contrários.

BJ: Qual a melhor expectativa em relação à reforma da Previdência?

ANTÔNIO BRUNO MORALES: A melhor expectativa é que nós, pelo menos, primeiro, comecemos a discutir mais profundamente a reforma em si, o que parece do ponto de vista prático está acontecendo e, segundo, que nós possamos dar um passo bastante grande para resolver esse problema de déficit que não é nada novo, embora ainda vejo com certo pessimismo, mas acredito que, ao levantar o debate, ele torne a situação menos pior.

BJ: O que a população deve fazer para garantir um reforma justa e cidadã?

MARTA GUELER: A população tem que participar e está atenta. Não precisa correr aos postos do INSS porque quem tem direito hoje de requerer o benefício e não requerer, se vier uma mudança, ele tem o que chamamos de Direito Adquirido. Ou seja, já preencheu todos os requisitos para obter o benefício, mas ainda não exerceu o direito. Isso vai ser mantido porque a Constituição atual garante esse direito como uma clausula pétrea, nenhuma emenda constitucional pode mudá-la. No ato jurídico perfeito não se pode mexer na coisa julgada nem no direito adquirido. Nem por isso, pode-se deixar de discutir a reforma, acompanhar e se manifestar. Portanto, cobre do seu representante na Câmara e no Senado uma posição favorável a todos. Hoje é muito fácil se comunicar com os deputados e senadores. Basta entrar nos sites da Câmara e do Senado. Vá e faça sua parte. 

15 de dez. de 2016

ETERNO ÍDOLO POPULAR

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Miguel Arraes até hoje ainda é querido e lembrado por seu povo
Foto: Divulgação
Se estivesse vivo,  Miguel Arraes de Alencar comemoraria hoje 100 anos de nascimento. Político e estadista de importância e reconhecimento nacional, Arraes construiu uma trajetória política de sucesso focada no povo e em decisões que beneficiaram as classes menos favorecidas.

Cearense de nascimento, desde os dezesseis anos Arraes adotou Pernambuco como estado de origem e seu domicilio eleitoral. A partir dali alcançou notoriedade como deputado estadual por duas vezes consecutivas, deputado federal por três legislaturas, prefeito, e governador do estado por três vezes.

De orientação esquerdista, Arraes fez dos ideais socialistas suas diretrizes e viveu toda sua vida pública e política no estabelecimento e na prática de ações igualitárias e coletivas.

Por adotar medidas que colocavam em risco o poder dos coronéis, dos usineiros e donos de engenhos de cana de açúcar, Miguel Arraes começou a ser mal visto pelas elites sociais e econômicas, mas caiu nas graças e na aprovação do povo.

Como governador estendeu o pagamento do salário mínimo aos trabalhadores rurais, bem como a eletrificação e o abastecimento de água para que se livrassem da dependência da oligarquias dos donos de terra.

Favoreceu também a criação de sindicatos, associações comunitárias e ligas camponesas, movimento que defendia e pregava abertamente a reforma agrária e a igualdade de direitos.

Com o golpe militar foi “convidado” a renunciar, mas recusou-se “por não trair a vontade dos que me elegeram”. Foi deposto e peregrinou por algumas prisões. Após ter sido solto, exilou-se na Argélia por quase 15 anos e foi considerado subversivo pelo (des)governo militar.

Em 1979, retornou ao Brasil e voltou para os braços do povo, elegendo-se facilmente deputado federal e governador pelo PMDB, sempre implantando medidas que beneficiavam os trabalhadores rurais e as populações urbanas desfavorecidas.

Em 1990 filiou-se ao PSB voltando a ser eleito governador. Em 1998 perdeu a eleição majoritária e só voltou a atuar politicamente em 2002, elegendo-se deputado federal, mas sem a facilidade de antes.

Crítico do personalismo político e opositor dos rótulos e das homenagens fora de lugar, Miguel Arraes morreu em 13 de agosto de 2005, mesmo dia em que Eduardo Campos, seu neto e herdeiro político, perdeu a vida em um acidente aéreo enquanto cumpria agenda como candidato à Presidência da República, em 2014.

Adorado e ovacionado por admiradores e correligionários, Doutor Arraes, como é respeitosamente chamado, ainda faz parte do imaginário coletivo de pernambucanos, nordestinos e todos os que continuam a enxergar nele a figura do político correto que tinha o jeito, a alma, os gostos e o cheiro do povo.

FRASES
"Acho que o personalismo em política é um erro, nós devemos é lutar para que surjam quadros novos (...). A posição de chefe, em política, é um grave defeito, um grave erro". 

"Nunca me preocupei com rótulos. O rótulo de radical, conciliador, não tem nenhum sentido para mim, como não tinha sentido me chamarem de comunista no passado. O que importa é a prática política; o que importa são os posicionamentos que se tomam ao lado de determinadas camadas sociais em defesa de teses que interessam à nação como um todo". 

"Minha vida todo mundo pode saber, pois nunca gostei de dinheiro pra ter muito dinheiro. Gosto de dinheiro pra gastar. Pra gastar, todo mundo gosta. Mas, pra ter dinheiro... Dinheiro é uma coisa perigosa. Na mão de um homem público é um desastre". 

"Não defendemos nem um Estado mínimo nem máximo. Defendemos e lutamos, isso sim, por um Estado que, a partir de suas peculiaridades, cumpra suas finalidades públicas". 

"O socialismo não precisa ser redefinido. O socialismo é fruto das contradições da sociedade". 

"Eu acho que a humanidade tem de encontrar um sistema que busque uma solução satisfatória para todos e pregue a pacificação das relações humanas. O socialismo seria essa busca da solução satisfatória para todos. O que se viu no Leste Europeu não era socialismo. Eram regimes de grandes partidos, bastante assistencialistas. A juventude não foi incorporada, não se identificou com o processo". 

"Irão dizer que [Luiz Inácio] Lula é incompetente, como se competência viesse dos livros dos eruditos. Lula é competente porque viveu com o povo e com os trabalhadores. É aquele que pode trazer tranquilidade para o país porque aprendeu a negociar nos sindicatos os direitos dos trabalhadores sem vacilar". 

"O Lula sofreu uma derrota política nas eleições presidenciais, mas continua com o mesmo discurso de derrotado. Não será jamais ouvido. Quando você é derrotado, tem de examinar sua derrota, tem de se compor". 

"Ele não parece em nada com o Juscelino, mas com o Dutra, assessorado pelos americanos. Juscelino se levantou contra o FMI e Prestes foi ao Palácio se solidarizar com ele. Quando a gente vai se solidarizar com FHC por se opor ao FMI?", sobre Fernando Henrique Cardoso. 

AMIGO DO POVO, OPERÁRIO DA IGUALDADE

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Dom Paulo Evaristo Arns, exemplo de dedicação, altruísmo e sacerdócio
Foto: Divulgação
Porta voz da igualdade, defensor dos direitos humanos, mensageiro da paz. Todos os adjetivos que possam expressar a importância e o significado da existência de dom Paulo Evaristo Arns, que nos deixou ontem, aos 95 anos, não se esgotam em si.

Porém, o que mais chamava a atenção nele, além de sua coragem e seu destemor, era a forma carinhosa e dedicada com que tratava a todos.

Dom Paulo soube muito bem, e como poucos, encarar e superar as adversidades impostas, na maioria das vezes por humanos, com sensatez, segurança e serenidade.

Sua decisão em fazer um culto ecumênico em honra ao jornalista Vladimir Herzog, assassinado pelos militares nas salas obscuras da ditadura, foi de uma grandeza de caráter tremenda e de uma visão humanista incomparável.

Dom Paulo conseguiu transitar pelo mundo complicado das contradições humanas ao longo dos seus mais de 50 anos de sacerdócio, completados em 2016, com a diplomacia e a consciência que faltam a muitos líderes políticos e humanitários.

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Dom Paulo Evaristo: líder humanitário sempre receptivo
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Com seu comportamento solidário e altruísta, dom Paulo foi um exemplo de como o sentimento religioso pode superar o fundamentalismo da religião, frear a intolerância e possibilitar o respeito e a convivência pacifica entre os diferentes.

Ações como sentar-se à mesa com os que lhe serviam, criar Comunidades Eclesiais de Base, vender um palácio episcopal para comprar terrenos em bairros populares para a construção de centros comunitários através da Operação Periferia, permitiram a ele provar que o mais simples é sempre um caminho possível e viável.

Em um ano de perdas e rupturas que vão deixar marcas profundas e cicatrizes registradas para sempre em nossa História, a morte de dom Paulo nos entristece, porém sua luta e sua trajetória também nos dão alento, ânimo e a certeza de que é possível endurecer sem jamais perder a ternura. 

RIP, dom Paulo Evaristo Arns! 

14 de dez. de 2016

TRATAMENTO DESIGUAL

Dando prosseguimento à série de entrevistas sobre a Reforma da Previdência, a convidada de hoje é Marta Gueller, advogada especialista em Direito Previdenciário e contrária à maioria das propostas feitas pelo governo Michel Temer.

Para ela, a forma de tratamento desigual e excludente que a maioria das propostas sugerem vão fazer com que o trabalhador, a população de baixa renda e os aposentados paguem a conta e arquem com o ônus pela reestruturação da Previdência Social brasileira.

Reforma da Previdência, Aposentados, Pensionistas, INSS
Marta Gueller, Advogada especialista em Direito Previdenciário
Foto: Reprodução


BLOG DO JOAQUIM: A reforma da Previdência é uma discussão antiga e o calcanhar de Aquiles de todos os governos depois da redemocratização, ocorrida em 1985. Até que ponto a senhora acredita que ela é realmente inevitável e até que ponto podemos viver sem ela?

MARTA GUELLER: No meu ponto de vista nós não fomos tão irresponsáveis assim. Desde a Constituição de 1988 já fizemos nove reformas nos artigos que cuidam dessa matéria. Emendas constitucionais já fizemos nove. Não é que nada foi feito, que a população está envelhecendo e a chave da abóboda para os problemas financeiros seria a reforma da Previdência. Mesmo porque a grande reforma previdenciária teria que incluir todos os segurados.

BJ: O que seria todos os segurados?

MARTA GUELLER: Nós temos os segurados do Regime Geral, que é o peão, o trabalhador que paga o INSS, os servidores públicos, que também são muito importantes para fazer funcionar toda a máquina nos âmbitos municipal, estadual e federal e que pagam suas contribuições para os regimes próprios de previdência, que difere do regime do INSS, e temos ainda os militares. O que acontece no pais é que a Seguridade Social é muito diferente. Do Oiapoque ao Chuí as pessoas não são tratadas da mesma forma. Não há igualdade.

BJ: Se a reforma da Previdência é realmente necessária como o governo afirma e outros segmentos da economia e da política também defendem, porque é que ela ainda não foi feita para valer no Brasil?

MARTA GUELLER: Porque quem faz as leis é quem ganha mais.  Hoje o teto do INSS é pouco mais de R$ 5.180,00, entretanto o STF – Supremo Tribunal Federal – remunera seus ministros na base de R$ 34.000,00. Há um abismo entre o regime geral e os regimes próprios. Hoje não dá para você comparar os tetos salariais. Uma das previsões que eles querem fazer é tributar ou aumentar a contribuição dos servidores, que hoje é de 11%, para 14% e no regime do INSS fazer com que o aposentado contribua também para a Previdência Social depois de aposentado. 2/3 dos benefícios que são pagos pelo INSS são pagos no valor de R$ 880,00. Quem é que vai pagar essa conta? Quem vai ser mais atingido pela reforma do modo que ela está sendo escrita são as pessoas mais pobres.

BJ: Esse realmente é o caminho?

MARTA GUELLER: Eu acho que não é por aí porque nós temos, desde a década de 80, a DRU – Desvinculação da Receita da União. O formato que querem adotar para a reforma da Previdência é torna-la na forma de capitalização, como a chilena, que não deu certo lá no Chile. Estamos querendo fazer a mesma coisa aqui.

BJ: Como funciona o sistema de seguridade social hoje no Brasil?

MARTA GUELLER: O empregado paga o INSS do seu salário. O empregador já desconta a contribuição do empregado e paga a dele. Os estados, municípios, a União, toda a sociedade paga INSS. Quando o cidadão de aposenta, e no Brasil o trabalhador começa a trabalhar com 12 para ajudar a família, embora registrado seja só aos 16, e partir daí ele vai contribuir a vida toda. Aos 35 anos de contribuição ele já tem direito a se aposentar. Por isso 51 anos e considerado cedo para se aposentar, mas é justo já que se começou a trabalhar cedo. A mulher com 30 anos de contribuição já se aposenta.

Reforma da Previdência, Aposentados, Pensionistas, INSS
Aposentados e a dúvida sobre dias melhores
Foto: ANPR (14/06/2016) Site Fotos Públicas


BJ: Em 1988 foi realizada uma reforma na Previdência. Quais as mudanças que ocorreram?

MARTA GUELLER: Sim, em 1998 foi feita uma reforma previdenciária. Nessa reforma, introduziu-se uma idade mínima para os servidores que, desde então, já têm uma idade mínima para se aposentar, embora no regime geral não há. Eu vejo com bons olhos você fixar uma idade mínima para a aposentadoria, mas tem-se que se considerar que não dá para comparar o Brasil com os países superdesenvolvidos. Não temos o mesmo grau de saneamento básico, de renda mínima, etc.

BJ: Quanto a desvinculação do piso do salário mínimo, o que há de positivo e negativo nessa proposta?

MARTA GUELLER: Acho também uma irresponsabilidade desvincular o piso do salário mínimo porque o salário mínimo tem que dá para todos aqueles itens que estão previstos no artigo sexto da Constituição: moradia, saúde, habitação, vestimenta, educação. O valor de R$ 880,00 tem que dar para tudo isso. Acho uma loucura a desindexação do mínimo.

BJ: O que de pior já foi feito em relação à Previdência Social Brasileira?

MARTA GUELLER: O pior é não mexerem com os militares. Eles não pagam contribuições para receberem seus soldos. Isso é errado, é desigual. Não temos um número muito grande de militares em comparação aos outros segurados da Previdência. Se há uma geração que tem que pagar a conta tem que ser toda ela e de forma igual e não só os segurados do Regime Geral que são os mais pobres, aqueles que contribuem desde os 16 anos de idade.

BJ: E o que de melhor já se fez?

MARTA GUELLER: Uma coisa boa, e que já foi feita, foi ter-se criado uma idade mínima para os servidores. A criação da contribuição que servidores pagam sobre suas aposentadorias e pensões. Acho que importante que se contribua, já que a contribuição para as aposentadorias dos servidores só foi criada na década de 90, portanto o que existe de rombo no sistema, e que eles acusam como déficit, ocorre porque só computam a forma de capitalização.

BJ: Quais são as outras formas de contribuição ou arrecadação?

MARTA GUELLER: Quando a pessoa se aposenta ela continua obrigatoriamente pagado Previdência Social. Nesse caso ela também está financiando os benefícios das pessoas que já estão aposentadas e o dela mesma, ela está de autofinanciando. Quando se aposta na loteria, por exemplo, sobre o prêmio da loteria também incide a Previdência, os impostos são abatidos do valor premiado e entres eles uma parte do dinheiro vai para a Seguridade Social para financiar os benefícios. Quando se importa e se exporta um produto uma parte dos recursos também vai para os cofres da Previdência. Todo esse dinheiro é “carimbado”, ou seja, ele está vinculado, não pode ser usado para outro tipo de destino, que é o que está acontecendo com DRU, da qual eles desvinculam a receita para poder financiar educação e saúde, porque o dinheiro arrecado para essas áreas não está sendo suficiente.

Reforma da Previdência, Aposentados, Pensionistas, INSS
Aposentados X Reforma: Equilíbrio delicado
Foto ANPR (14/06/2016) Site Fotos Públicas


BJ: Até que ponto é injusto a reforma da Previdência tratar da mesma forma categorias diferentes e com realidades diferentes?

MARTA GUELLER: Isso fere a isonomia, princípio do direito segundo o qual todos são iguais perante a lei. Os desiguais têm que ser tratados desigualmente, ou seja, tem-se que se fazer uma reforma de maneira que as pessoas que ganham acima do salário mínimo possam contribuir de uma forma maior. Os brasileiros foram às ruas para exigir que os benefícios concedidos até a promulgação da Constituição de 1988 fossem garantidos, até que fosse criada uma lei regulamentando a Previdência e que permitisse a essas pessoas a equiparação em números de salários mínimos.

BJ: Como era antes da Constituição de 1988?

MARTA GUELLER: Antigamente pagavam sob 20 salários mínimos. Hoje, paga-se sobre R$ 5.180,00, quanto é isso em número de salários mínimos? Dá para perceber a disparidade social e o quanto já se perdeu depois de tantas conquistas que já ocorreram. A Constituição Cidadã criou um cobertor muito grande. O manto é muito grande, mas não consegue abrigar toda a população. Não se pode abrir mão dos direitos conquistados sem tratar as pessoas de forma desigual. Isonomia é isso. É você tratar as pessoas de forma desigual porque elas são desiguais. Você não pode beneficiar uns, ou continuar beneficiando uns em detrimento dos mais pobres.

BJ: No Brasil, todas as vezes que se tenta fazer uma reforma na dimensão e na profundidade da reforma da Previdência Social algumas pessoas e alguns segmentos específicos insistem em fazer comparações com outros países. Qual o risco dessas comparações em relação à reforma previdenciária?

MARTA GUELLER: É o risco do retrocesso social. Basta ver por quem a previdência privada é feita. É você abrir mão das conquistas todas que foram alcançadas pelos trabalhadores e dar aos bancos a possibilidade de venderem planos de previdência privada para pessoas que ganham salário mínimo. A previdência privada foi introduzida na Constituição depois de 2000. Ela vem como um quarto pilar da Seguridade Social, para ser um complemento de renda. Se alguém pega um parente aposentado e pergunta para ele se a cesta básica que ele compra hoje igual que ele comprava quanto se aposentou vai ver que houve um achatamento, que ele ficou mais pobre desde que ele se aposentou lá atrás. O que acontece agora é que a desvinculação do salário mínimo vai deixar todo mundo mais pobre, inclusive quem ganha o piso.

BJ: Para quem serve a previdência privada?

MARTA GULLER: Para quem ganha acima de R$ 5.180,00. Quem ganha acima desse valor hoje, aí sim é quem vai fazer uma previdência privada e vai fazer a poupança dela no banco. Quem não pode fazer previdência privada tem que estar protegido pelo sistema atual. Mas eles querem mudar isso. Querem fazer com que teto seja menor, pagar o mínimo para todo mundo. Aí as pessoas vão recorrer aos bancos, se eles quebrarem ou não pagarem fica por isso mesmo.  


Reforma da Previdência, Aposentados, Pensionistas, INSS
A próxima geração é um dos segmentos vai pagar o pato pela reforma da Previdência
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil (07/07/2015)


BJ: Alguém tem que arcar com o ônus da reforma da Previdência. Quem vai arcar com o ônus se a reforma for aprovada?

MARTA GUELLER: Eu ainda acho que a população vai às ruas para pleitear que a reforma não atinja os mais pobres. Embora todos vão às ruas, desde o servidor que ganha mais ao militar que acredita que ele não tem de contribuir porque ele serve à Nação com a previdência dele. Portanto, a corda vai arrebentar, como sempre, do lado mais fraco, do trabalhador que contribui com o regime geral para que possa continuar colocando o pão na mesa da família. 

12 de dez. de 2016

JOGO DURO

Reforma da Previdência, Aposentados, Pensionistas, INSS
Reforma da Previdência: Pouca luz no fim do túnel
Foto: ANPR (14/06/2016) Fotos Públicas
As propostas para a reforma da Previdência finalmente foram divulgadas e enviadas ao Congresso Nacional para serem analisadas e votadas.

O rigor e a dureza das medidas que Michel Temer pretende adotar para essa e às próximas gerações em relação à aposentadoria chamaram a atenção da população e deixaram preocupados trabalhadores e aposentados nos quatro cantos do país.

Segundo o governo, a Previdência se tornou um poço sem fundo e a reforma é a solução inadiável. Porém, a crise política e o descompasso entre os três poderes também têm gerando discussões e especulações variadas em relação ao assunto e podem tumultuar a aprovação das propostas.

Diante das dúvidas e incertezas, os números falam mais alto.

Rombo de R$ 130 bilhões projetado para esse ano, quantidade de idosos crescendo maior do que a de jovens, receita menor do que a despesa, são algumas das justificativas do governo para a necessidade e urgência da reforma.

Dados do IBGE mostram que últimos 20 anos o número de aposentados dobrou e já passa dos 30 milhões, a expectativa de vida melhorou alcançando a média de 74 anos de idade, enquanto a quantidade de nascimentos vem caindo acentuadamente.

Hoje o Brasil tem cerca de 30 milhões de aposentados, o dobro de 20 anos atrás. Nos próximos 25 anos os idosos serão a metade da população brasileira. A proporção hoje é de 09 trabalhadores para 01 aposentado. Nos próximos anos essa proporção será de 04 para 01. 

Nesse cenário em que as contas não fecham a solução mais imediata parece ser a maioria perder para que todos possam ganhar.

Mas será que essa solução também é a mais justa?

Os mais jovens terem que pagar o pato, alguns direitos serem revistos e novas conquistas adiadas é mesmo inevitável?

Será que é preciso tudo isso mesmo?

O BLOG DO JOAQUIM realizou uma série de três entrevistas sobre a reforma da Previdência. Consultou um especialista a favor e outro contrário à reforma e às propostas apresentadas pelo governo Temer.

Nessa primeira entrevista vamos conhecer as opiniões de Antônio Bruno Carvalho Morales, economista favorável à reforma previdenciária e professor do Insper.

Na quarta-feira, a entrevista será com Marta Gueller, Doutora em Direito Previdenciário, contrária à reforma e às propostas apresentadas pelo governo federal.

Na sexta-feira, os dois especialistas debaterão conjuntamente o tema, analisando alguns pontos das propostas.

Reforma da Previdência, Aposentados, Pensionistas, INSS
Antônio Bruno Carvalho Morales, Economista e Professor
Foto: Reprodução


BLOG DO JOAQUIM: Antes mesmo das propostas serem divulgadas em sua totalidade, o que foi vazado na mídia gerou um clima de expectativa e uma discussão mais acalorada entre os defensores e os opositores da reforma previdenciária. O senhor é um dos economistas favoráveis à reforma. Porque ela é necessária?

Antônio Bruno Carvalho Morales: Primeiramente porque nos últimos anos a população brasileira, e mundial, de maneira geral, tem envelhecido e esse envelhecimento, devido ao aumento da expectativa de vida, faz com que menos gente no mercado de trabalho esteja bancando mais gente fora do mercado de trabalho e por mais tempo. Esse problema tem se tornado cada vez mais relevante em termos de orçamento público.

BJ: Se a reforma da Previdência demorar para acontecer, o que pode ocorrer com o Brasil nos próximos anos?

Antônio Bruno Morales: Nós já estamos com um problema de crescimento econômico, o que dificulta bastante a arrecadação. Em termos práticos, o que pode acontecer nos próximos cinco ou dez anos é nós termos cada vez menos gente bancando um contingente muito grande e elevado de pessoas aposentadas. Isso em termos de projeção pode fazer com o governo tenha que aumentar a arrecadação em torno de 10% do PIB, o que seria muito oneroso para o país.

BJ: Desde que a imprensa começou a falar mais sobre a reforma da Previdência, aumentou a procura da população aos postos do INSS para dar entrada nos pedidos de aposentadoria. Até que ponto o temor do brasileiro, e essa procura quase que desesperada da população, fazem sentindo?

Antônio Bruno Morales: O que mais chama atenção é a incerteza quanto a mudança de regimento. As pessoas têm muita dúvida se a idade mínima vai subir. E de fato isso é uma tendência mundial. Países como França têm aumentando a idade mínima para o cidadão se aposentar, de modo que, diante de tantas incertezas internas, as pessoas que já vinham planejando sua aposentadoria ficam mesmo inseguras.

BJ: O aumento da idade mínima é um problema de que natureza?

Antônio Bruno Morales: Isso é basicamente um problema de economia política. Eventualmente uma população para fazer a transição para um regime previdenciário mais saudável, do ponto de vista de contas do governo, vai ter que pagar um pouco mais. O maior medo é que seja a geração de hoje. Quem tem buscado os postos do INSS tem feito isso exatamente porque não quer ser o primeiro a sofrer eventuais baixas em termos de benefícios, por exemplo.

BJ: A reforma da Previdência envolve questões econômicas e políticas, mas também envolve interesses distintos. De que forma esses fatores têm inviabilizado ou atrasado a realização da reforma?

Antônio Bruno Morales: Tem atrasado bastante porque é um tema que em termos políticos ninguém quer colher, nem ter esse custo para si. Nenhum político, por mais que se diga na mídia que precisamos fazer a reforma seja assim ou assado, quer em termos práticos assumir que foi ele quem fez ou ajudou a fazer a reforma previdenciária.

BJ: O que de mais há além disso?

Antônio Bruno Morales: No mais, há um conflito de gerações. Alguma geração vai ter que ser penalizada, seja essa ou a próxima. Nenhum político quer tomar esse ônus para si. Talvez por isso o presidente Temer tem entrando mais firmemente na discussão, dado que ele não foi eleito presidente, ele foi eleito vice-presidente. Por isso ele pode tratar o assunto de maneira mais contundente já que, o fato dele não ter sido eleito, dilui um pouco seu custo político. 

BJ: Até que ponto o fato do Congresso não querer arcar com o ônus e a atual situação política do país podem inviabilizar a aprovação da reforma previdenciária?

Antônio Bruno Morales: Vai depender muito de como a Câmara e o Senado irão se organizar. Depende muito do contexto político. De qualquer forma, as partes que são mais interessadas são as que sofrem mais. Existe um conflito em economia política que diz que as pessoas que vão atrás são as pessoas que estão sofrendo, no caso da reforma é quem está para se aposentar. Por outro lado, as pessoas que seriam as mais beneficiadas no longo prazo, no caso os jovens e até a população como um todo não se mobilizam. Às vezes por desconhecer benefícios que a reforma pode provocar no curto prazo, como por exemplo a queda dos juros.

BJ: Considerando o Congresso Nacional que temos hoje e as propostas que já foram aprovadas e recusadas por ele nesse governo e no anterior, qual a disponibilidade dos congressistas em aprovar ou recusar as propostas da reforma da Previdência?

Antônio Bruno Morales: Acredito que é um ponto difícil e que, com certeza, vai gerar diversos conflitos. Temos que abrir mais o debate de forma mais consistente, tentando mobilizar mais a opinião pública a ter mais acesso ao Congresso e exercer mais pressão.

BJ: Analisando a história de nossa Previdência Social ao longo dos anos, quais são os pontos positivos e os pontos negativos de nosso sistema previdenciário da forma que ele está estruturado atualmente?

Antônio Bruno Morales: Em ternos de sistema, o principal problema é que o contribuinte de hoje paga para o aposentado de hoje, ou seja, é um sistema em que você beneficia quem já está aposentado. O ideal, ou menos oneroso em termos de governo, seria um sistema de capitalização, em que o Estado capta o dinheiro contribuído, via algum título público ou alguma forma de remuneração, e quando o cidadão for se aposentar recebe de volta o dinheiro que ele pagou ou contribuiu. Em termos práticos isso é mais oneroso de se fazer, principalmente porque há um conflito de gerações, como eu já expliquei anteriormente.

BJ: Até que ponto a aposentadoria complementar, uma opção à aposentadoria tradicional, é uma possibilidade positiva, sem esquecermos de considerar a realidade econômica do país e a desigualdade social que ainda é alta no Brasil?

Antônio Bruno Morales: O ponto principal é incentivar as pessoas a pouparem desde cedo. Sempre faço uma analogia como a pessoa que faz regime. A pessoa acorda disposta a começar o regime na segunda-feira, só que, por um acaso, está chovendo e ele resolve não sair e fica na cama. A mesma coisa acontece com as decisões de poupança. Acha-se que se é jovem ainda e que não se precisa poupar agora. O caminho é fazer de forma sistemática as pessoas reagirem a esse incentivo e ajudarem um pouco mais o Estado tomando a decisão de poupar. Em termos práticos, é estimular as pessoas a fazerem a auto aposentadoria.

Reforma da Previdência, Aposentados, Pensionistas, INSS
Pospostas para reformar a Previdência provocam dúvidas e geram incertezas
Foto: ANPR (14/06/2016) Fotos Públicas


BJ: No que diz respeito à reforma previdenciária, o incentivo à aposentadoria complementar não diminui a responsabilidade do governo em relação à Previdência, passando para a iniciativa privada o ganho real e garantido que seria do Estado?

Antônio Bruno Morales: De certa maneira sim. Mas, por outro ponto, a curto prazo, a responsabilidade maior do governo, em termos de soluções, é subir a idade para se aposentar ou desatrelar a aposentadoria do reajuste do salário mínimo, questões que tem que ser discutidas profundamente.

BJ: A aposentadoria complementar na faz parte da cultura de nossas gerações. Qual a possibilidade da Previdência Privada se tornar um hábito para as gerações que vão ter que conviver com um novo regime previdenciário, caso a reforma seja realmente aprovada? Qual a disponibilidade que essas gerações vão ter em investir em uma aposentadoria complementar?

Antônio Bruno Morales: Depende muito de como nós geramos os incentivos paras as pessoas. Os seres humanos, de uma maneira geral, reagem aos incentivos, sejam eles positivos ou negativos. Por alguma razão, especifica ou cultural, por exemplo, o Japão poupa mais do que o Brasil. No nosso caso, acredito que a responsabilidade do governo é criar na população a conscientização de que seria produtivo para o país como um todo que as pessoas poupassem um pouco mais, tanto no sentido do curto prazo, para gerar mais investimento, quanto no sentido da Previdência.

BJ: Temos como fazer uma reforma previdenciária definitiva ou daqui há alguns anos vamos ter que fazer a reforma da reforma?

Antônio Bruno Morales: Aparentemente e infelizmente não existe uma reforma definitiva. Se analisarmos diversos países que enfrentam esse mesmo problema, eventualmente, em dez anos, as condições demográficas mudaram e ele tiveram que lidar com outros problemas. O ponto principal é que já temos um horizonte de 20 ou 30 anos em que sabemos que a população vai envelhecer e nossa base em ternos de população economicamente ativa vai diminuir, no sentido que teremos proporcionalmente menos gente bancando as pessoas aposentadas.

BJ: Em ternos práticos, o que é mais importante agora?

Antônio Bruno Morales: Qualitativamente falando, o pulo que temos que dar é como encarar esse fato que vai acontecer. Isso é o principal agora. Em termos de reforma definitiva acredito que não há. Daqui a 40, 50 anos vamos ter outro tipo de comportamento demográfico. Podemos, através de análises estatísticas, prevê um pouco desse comportamento, mas não sabemos o que realmente vai acontecer e, eventualmente, teremos que nos adaptar a isso.

BJ: Quais são os fatores externos ou não inerentes à situação da Previdência Social que podem atrapalhar a reforma e impedir que ela aconteça de forma efetiva?

Antônio Bruno Morales: Primeiramente o aspecto político. Não vivemos um momento politicamente tranquilo, afinal acabamos de sofrer um processo de impeachment da presidente Dilma. Além disso, a questão da ação coletiva, ou seja, a mobilização de pessoas que em geral seriam melhores beneficiadas. São questões comuns na literatura de economia. Tem um pouco desses dois problemas, mas, no curto prazo, vejo a questão política como uma dificuldade extra, além do baixo crescimento econômico que não vai se resolver em um estalar de dedos. Temos projeções muito ruins para o final desse ano e para 2017. Algo em torno de -3,6% e -3,8% de crescimento. Isso claramente nos atrapalha em ternos de planos para reforma da Previdência.

BJ: Alguém vai ter que pagar pelo ônus da reforma. Quem vai pagá-lo?

Antônio Bruno Morales: Provavelmente, em termos políticos, será o Poder Executivo, no caso o presidente Michel Temer. Acredito que ele parece estar disposto a isso. Porém, especificamente, no que diz respeito à transição de sistemas entre reformas, acho que é a geração que se está para aposentar. Talvez, por isso, as pessoas estejam correndo aos postos do INSS para dar entrada no processo de efetivação de aposentadoria.