16 de dez. de 2016

FUTURO AMEAÇADO

Reforma da Previdência, Aposentados, Pensionistas, INSS
Reforma da Previdência = Encruzilhada
Foto: Pixabay Public Domain
Na última entrevista da série sobre a Reforma da Previdência, o economista Antônio Bruno Carvalho Morales e a advogada previdenciária Marta Gueller debatem o tema e comentam alguns pontos polêmicos das propostas do governo Temer.

BLOG DO JOAQUIM: Uma das discussões que têm provocado divergências entre o governo e especialistas em relação à reforma e à estrutura da Previdência é se há ou não déficit previdenciário. Qual a opinião dos senhores a respeito?

MARTA GUELLER: No meu ponto de vista esse déficit é uma criação porque alguém tem que pagar a conta. Se você entrar no site da Anfip – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (www.anfip.org.br) – vai verificar ali que existem os grandes devedores. Por que, se há uma dívida, não se executa os grandes devedores da Previdência Social? As grandes empresas, multinacionais, a União, os estados e municípios, todos eles devem para a Previdência.

BJ: Então falta fiscalização?

MARTA GUELLER: Ora, se há um déficit, ele é causado por falta de execução dessas entidades. Segunda coisa, o déficit é cantado em função de uma capitalização, igual ao regime chileno que não é o nosso. Se computarmos apenas a contribuição do segurado e não incluir outros tributos, ao projetar isso lá para 2050, se nada for feito, aí sim termos um déficit.

BJ: Existem distorções nas leis?

MARTA GUELLER: Sim, existem distorções nas leis. Por exemplo, defere-se auxílios-doença, mas não se tem peritos suficientes para fazer as pericias nas pessoas que estão realmente doentes ou que recebem benefício por invalidez. Às vezes, esses benefícios têm caráter reversivo, eles podem ser cancelados, desde que essas pessoas sejam convocadas periodicamente para que seja verificado se elas estão realmente incapacitadas.

BJ: Se essas distorções não são corrigidas, o que ocorre?

MARTA GUELLER: Se não se faz isso ou se é omisso, claro que vai se estar gerando uma despesa desnecessária. Essas pessoas deixam de contribuir economicamente para a Nação e se transformam em um ônus causado por culpa da inoperância do próprio sistema. Outro exemplo são as pensões por morte. Esses benefícios têm mesmo de ser de 100%, já que houve uma diminuição no número de pessoas naquele lar e, portanto, uma diminuição de despesas? Isso também tem de ser mudado. E não se diminuir um direito social mudando o piso, desvinculando do mínimo. Não há unidade mínima. Outro aspecto é que não se pode impor uma idade mínima igual aos países superdesenvolvidos onde se paga o benéfico quando realmente se aposenta. Aqui no Brasil, não. O aposentado continua trabalhando porque começa a trabalhar muito cedo e tem que continuar trabalhando mesmo depois que alcançou a aposentadoria. Tem que haver um debate com a sociedade antes.

BJ: De que modo isso favorece a afirmação de que a Previdência está quebrada?

MARTA GULLER: Não se pode partir de uma premissa, que não é verdadeira, e que diz que a Previdência está quebrada. Ora, se está quebrada, porque é que eu vou contribuir? Porque sou obrigado. Eles descontam do meu salário. O brasileiro é muito criativo também. Ele cria artifícios. O próprio Poder Legislativo faz leis para desonerar aquele que está contribuindo. Daí ele vai contribuir menos, vai ter um benefício menor. Foi assim que se criou a terceirização no Brasil. Se você vai na Justiça do Trabalho vai ver que há um número enorme de ações para reconhecer um vínculo trabalhista quando essas pessoas trabalharam, geraram economia, mas não contribuíram para a Presidência. Oficializou-se esse tipo de relação. A terceirização virou uma fórmula do empregador não pagar a parte dele.

BJ: Qual a melhor maneira de resolver essa questão?

MARTA GUELLER: Temos que escrever tudo de novo, mas não sem a discussão e a participação ampla da sociedade. Mandar uma reforma escrita para ser aprovada a toque de caixa porque isso seria a salvação da economia brasileira não resolve. O Brasil está inserido no planeta terra e o planeta terra está em crise. Não dá para dizer que a culpa é da Previdência.

ANTÔNIO BRUNO MORALES: Primeiramente, gostaria de ressaltar que eu e a Doutora Marta temos pontos de acordo. De fato, eu também acho surreal a forma de aposentadoria dos militares. Também acho que quando alguém vem a óbito é obvio que tem que se dá auxilio à família, mas talvez nós estejamos conduzindo isso de maneira errada.  Porém, discordo em relação ao que foi falado sobre o déficit. Nós temos um déficit real. Projeções do governo estimam que chegue a R$ 100 bilhões esse ano. Temos um problema econômico pratico, de fato.

BJ: Do ponto de vista legal, com o que é que o senhor também concorda e qual solução vê no curto prazo?

ANTÔNIO BRUNO MORALES: Do ponto de vista legal não estou habilitado a julgar quem deve o que, mas do ponto de vista de um economista que tem que gerar receita, temos que lidar com esse problema. Acredito que, pelo menos a curto prazo, a melhor solução é termos uma idade mínima superior. Talvez não a mesma dos países desenvolvidos, talvez a maneira como isso está sendo conduzido, e aí concordo com a Marta, a sociedade como um todo tem de participar desse processo. Tem que ir às ruas. Concordo também que os que são mais interessados são os que estão se mobilizando. Isso também é fato porque na prática são eles que vão sofrer no curto prazo. Eles já estão aí vendo a discussão como um todo afetando a vida deles e nem tanto a dos mais jovens.

MARTA GULLER: Ainda em relação à idade mínima, no Acre, por exemplo, a expectativa de sobrevida não é essa do IBGE ou a mesma para o sudeste. Lá as pessoas chegam aos 63 anos. Se você puser uma idade mínima de 65 anos, ninguém vai receber benefício nenhum.

BJ: O presidente Temer afirma que todos têm que uma parcela de sacrifício para que a reforma ocorra e para que os problemas da Previdência Social sejam resolvidos. Dá para colocar todo mundo em um mesmo patamar?

ANTÔNIO BRUNO MORALES: Acredito que não. É obvio que quem vai sofrer mais são os mais pobres. Historicamente é assim. O discurso parece que está levando a isso. Como economista fico chateado com esse fato, mas é um fato. Acredito que, usando as palavras da Doutora Marta, deveria haver um certo tipo de desigualdade para gerir isso. De forma melhor e mais humanitária.

MARTA GULLER: Na minha opinião, as mulheres vão pagar com maior sacrifício porque eles querem igualar homens e mulheres. Hoje as mulheres se aposentam com 30 anos de contribuição, os homens com 35 anos. No regime geral, sem idade mínima. No regime próprio, elas se aposentam também com 30 anos e 35, os homens, mas com idade mínima de 55 para as mulheres e de 60 para os homens. Tem que ter os dois requisitos para se obter o benefício. O que acha que vai acontecer no regime geral? Eles vão criar uma idade mínima, que a gente não sabe se vai ser aprovada uma idade mínima de 60 para as mulheres e 65 anos para os homens, mas que vai ter essa desigualdade. A princípio, o que se pretende é igualar homens e mulheres. Há quem vá dizer que elas são iguais para tantas coisas, e elas querem ser iguais aos homens, mas, no mercado de trabalho, não são.

BJ: E em relação à escolaridade?

MARTA GULLER: Em relação à escolaridade você tem menos desigualdade entre salários e oportunidades de emprego para homens e mulheres. Porém, se formos verificar nas camadas mais pobres, os salários são diferentes. As mulheres ganham menos. E ainda tem a questão da tripla jornada. Eu sou a favor de continuarmos com a diferença de idade entre homens e mulheres, apesar de, estatisticamente, as mulheres viverem mais. Porém, vivem mais porque se cuidam mais. Fazem exames preventivos com maior frequência, são mais cuidadosas. Entretanto, por serem mais cuidadosas, não podem pagar mais por isso. Pelos menos enquanto houver essa diferença de tratamento e esse preconceito em relação à mulher que engravida, que se afasta do trabalho.

BJ: Os casais estão tendo menos filho. Qual a possibilidade desse fato também ser considerado e contemplado na reforma previdenciária?

MARTA GULLER: Se nós estamos preocupados com o déficit e a crise da Previdência temos que fazer alguma coisa para incentivar esse crescimento vegetativo que parece que em pouco tempo será negativo, já que hoje cada mulher quando tem filho tem apenas um. Você não pode ter um e meio, então só tem um. O governo deveria prevê na reforma alguma coisa que ajudasse a incentivar as mulheres a terem filhos.  Já que estão nos comparando aos países superdesenvolvidos como a Suécia, lá as mulheres podem ter 24 meses de licença maternidade. Então, porque não colocar isso aqui no Brasil? Alguma coisa tem que ser feita para que a mulher se veja com vontade de ter um filho, um brasileirinho para fazer um país melhor.

BJ: Nos últimos anos, o Mercado tem influenciado muito as decisões adotadas pelos governantes brasileiros. Por outro lado, os interesses políticos têm condicionados os governos, tornando-os reféns dos humores das agremiações partidárias. Qual o peso que o Mercado vai ter na reforma da Previdência?

ANTÔNIO BRUNO MORALES: Principalmente nesse momento é um peso que não é desconsiderável.  É um peso até muito importante. Primeiro porque, um dos principais fatores para nós discutimos, além do déficit, é o fato de estarmos em crise em termos de PIB. Estamos com expectativas de taxas de crescimento negativas, tanto para esse ano quanto para o ano que vem. Isso naturalmente dificulta as contas porque ao crescer menos, arrecadamos menos. Geramos menos renda e isso naturalmente dificulta o processo. Em termos político, isso vai refletir também de forma natural, principalmente porque o governo atual é um governo de transição resultante de um processo de impeachment e o Congresso, o Senado e o Executivo ainda estão se readaptando.

Reforma da Previdência, Aposentados, Pensionistas, INSS
Reforma deixa  a aposentadoria tranquila mais distante
Foto: Pixabay Public Domain


BJ: Como fazer com que o que entra como contribuição sai como benefício sem provocar prejuízos sociais?

MARTA GUELLER: Fazendo as reformas que são necessárias e a lição de casa que o INSS não faz hoje. Contratando peritos, existem estudos que dizem que quando a pessoa está doente ele tem que ficar o menor tempo possível afastada do trabalho porque ela vai voltar à atividade mais rápido. Hoje a pessoa que está doente vai ao SUS que, mediante uma cartinha dada pelo empregador, dá o afastamento por 15 dias e passou disso ele entra na caixa e começa a receber o benefício. No máximo, dependendo da atividade que se exerce, em 30 dias já se pode voltar ao trabalho, mas o hospital, em caso de necessidade de cirurgia, só vai ter disponibilidade só nos próximos dois anos e meio. Então, ele vai ficar 30 meses esperando por uma cirurgia e só voltar para o trabalho somente um mês depois da recuperação. Nem ele nem o empregador vão aceitar um ao outro. Está tudo errado.

BJ: Existem hoje cerca de R$ 370 bilhões que deixam de ser arrecadados pela Previdência. Segundo informações Ministério da Previdência Social, decorrete falta de pagamento da contribuição previdenciária por parte de grandes empresas, clubes de futebol, multinacionais, universidades, prefeituras, conglomerados jornalísticos, etc. Porque esses grupos não são cobrados devidamente pela Previdência?

MARTA GUELLER: Essa é a questão que não quer calar. Eles são cobrados, há uma execução, o Procurador do INSS ajuíza a ação de execução, eles se defendem, o processo de alonga e pode durar até 24 anos. Nesse período vem o Refis, que é o refinanciamento, daí vem uma lei que permite o parcelamento em 20 anos de uma dívida que rolou por quase três décadas e sabe-se lá como vai ser paga.  É esse o problema do Brasil.

ANTÔNIO BRUNO MORALES: Concordo 100%, principalmente em termos de economia política. Parece que, aparentemente, todos esses grupos que foram citados que, por algum motivo que não sei qual, são beneficiados de maneira desigual. O ideal é que fossem cobrados de maneira adequada, mas sabemos que temos lobbys políticos com interesses contrários.

BJ: Qual a melhor expectativa em relação à reforma da Previdência?

ANTÔNIO BRUNO MORALES: A melhor expectativa é que nós, pelo menos, primeiro, comecemos a discutir mais profundamente a reforma em si, o que parece do ponto de vista prático está acontecendo e, segundo, que nós possamos dar um passo bastante grande para resolver esse problema de déficit que não é nada novo, embora ainda vejo com certo pessimismo, mas acredito que, ao levantar o debate, ele torne a situação menos pior.

BJ: O que a população deve fazer para garantir um reforma justa e cidadã?

MARTA GUELER: A população tem que participar e está atenta. Não precisa correr aos postos do INSS porque quem tem direito hoje de requerer o benefício e não requerer, se vier uma mudança, ele tem o que chamamos de Direito Adquirido. Ou seja, já preencheu todos os requisitos para obter o benefício, mas ainda não exerceu o direito. Isso vai ser mantido porque a Constituição atual garante esse direito como uma clausula pétrea, nenhuma emenda constitucional pode mudá-la. No ato jurídico perfeito não se pode mexer na coisa julgada nem no direito adquirido. Nem por isso, pode-se deixar de discutir a reforma, acompanhar e se manifestar. Portanto, cobre do seu representante na Câmara e no Senado uma posição favorável a todos. Hoje é muito fácil se comunicar com os deputados e senadores. Basta entrar nos sites da Câmara e do Senado. Vá e faça sua parte. 
Local: SÃO PAULO São Paulo, SP, Brasil

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