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Reforma da Previdência: Pouca luz no fim do túnel Foto: ANPR (14/06/2016) Fotos Públicas |
As
propostas para a reforma da Previdência finalmente
foram divulgadas e enviadas ao Congresso Nacional para serem analisadas e
votadas.
O rigor e a dureza
das medidas que Michel Temer pretende adotar para essa e às próximas gerações em
relação à aposentadoria chamaram a atenção da população e deixaram preocupados
trabalhadores e aposentados nos quatro cantos do país.
Segundo o governo, a Previdência
se tornou um poço sem fundo e a reforma é a solução inadiável. Porém, a crise
política e o descompasso entre os três poderes também têm gerando discussões e
especulações variadas em relação ao assunto e podem tumultuar a aprovação das propostas.
Diante das dúvidas e incertezas, os números falam mais alto.
Rombo de R$ 130
bilhões projetado para esse ano, quantidade de idosos crescendo maior do que a
de jovens, receita menor do que a despesa, são algumas das justificativas do
governo para a necessidade e urgência da reforma.
Dados do IBGE mostram
que últimos 20 anos o número de aposentados dobrou e já passa dos 30 milhões, a
expectativa de vida melhorou alcançando a média de 74 anos de idade, enquanto a
quantidade de nascimentos vem caindo acentuadamente.
Hoje o Brasil tem
cerca de 30 milhões de aposentados, o dobro de 20 anos atrás. Nos próximos 25
anos os idosos serão a metade da população brasileira. A proporção hoje é de 09
trabalhadores para 01 aposentado. Nos próximos anos essa proporção será de 04
para 01.
Nesse cenário em que
as contas não fecham a solução mais imediata parece ser a maioria perder para
que todos possam ganhar.
Mas será que essa
solução também é a mais justa?
Os mais jovens terem
que pagar o pato, alguns direitos serem revistos e novas conquistas adiadas é
mesmo inevitável?
Será que é preciso
tudo isso mesmo?
O BLOG DO JOAQUIM realizou uma série de três entrevistas sobre a reforma da Previdência. Consultou um especialista a favor e outro contrário à reforma e às propostas
apresentadas pelo governo Temer.
Nessa primeira
entrevista vamos conhecer as opiniões de Antônio
Bruno Carvalho Morales, economista favorável à reforma previdenciária e professor do Insper.
Na quarta-feira, a entrevista
será com Marta Gueller, Doutora em
Direito Previdenciário, contrária à reforma e às propostas apresentadas pelo
governo federal.
Na sexta-feira, os
dois especialistas debaterão conjuntamente o tema, analisando alguns pontos das
propostas.
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Antônio Bruno Carvalho Morales, Economista e Professor Foto: Reprodução |
BLOG DO JOAQUIM: Antes mesmo das propostas serem divulgadas
em sua totalidade, o que foi vazado na mídia gerou um clima de expectativa e uma discussão mais acalorada entre os defensores e os opositores da reforma
previdenciária. O senhor é um dos economistas favoráveis à reforma. Porque ela
é necessária?
Antônio
Bruno Carvalho Morales: Primeiramente porque nos
últimos anos a população brasileira, e mundial, de maneira geral, tem
envelhecido e esse envelhecimento, devido ao aumento da expectativa de vida,
faz com que menos gente no mercado de trabalho esteja bancando mais gente fora
do mercado de trabalho e por mais tempo. Esse problema tem se tornado cada vez
mais relevante em termos de orçamento público.
BJ: Se
a reforma da Previdência demorar para acontecer, o que pode ocorrer com o
Brasil nos próximos anos?
Antônio
Bruno Morales: Nós já estamos com um problema de
crescimento econômico, o que dificulta bastante a arrecadação. Em termos
práticos, o que pode acontecer nos próximos cinco ou dez anos é nós termos cada
vez menos gente bancando um contingente muito grande e elevado de pessoas
aposentadas. Isso em termos de projeção pode fazer com o governo tenha que aumentar
a arrecadação em torno de 10% do PIB, o que seria muito oneroso para o país.
BJ: Desde
que a imprensa começou a falar mais sobre a reforma da Previdência, aumentou a
procura da população aos postos do INSS para dar entrada nos pedidos de
aposentadoria. Até que ponto o temor do brasileiro, e essa procura quase que
desesperada da população, fazem sentindo?
Antônio
Bruno Morales: O que mais chama atenção é a
incerteza quanto a mudança de regimento. As pessoas têm muita dúvida se a idade
mínima vai subir. E de fato isso é uma tendência mundial. Países como França
têm aumentando a idade mínima para o cidadão se aposentar, de modo que, diante
de tantas incertezas internas, as pessoas que já vinham planejando sua
aposentadoria ficam mesmo inseguras.
BJ:
O aumento da idade mínima é um problema de
que natureza?
Antônio
Bruno Morales: Isso é basicamente um problema de
economia política. Eventualmente uma população para fazer a transição para um
regime previdenciário mais saudável, do ponto de vista de contas do governo,
vai ter que pagar um pouco mais. O maior medo é que seja a geração de hoje.
Quem tem buscado os postos do INSS tem feito isso exatamente porque não quer
ser o primeiro a sofrer eventuais baixas em termos de benefícios, por exemplo.
BJ: A
reforma da Previdência envolve questões econômicas e políticas, mas também
envolve interesses distintos. De que forma esses fatores têm inviabilizado ou
atrasado a realização da reforma?
Antônio
Bruno Morales: Tem atrasado bastante porque é um
tema que em termos políticos ninguém quer colher, nem ter esse custo para si.
Nenhum político, por mais que se diga na mídia que precisamos fazer a reforma
seja assim ou assado, quer em termos práticos assumir que foi ele quem fez ou
ajudou a fazer a reforma previdenciária.
BJ: O
que de mais há além disso?
Antônio
Bruno Morales: No mais, há um conflito de gerações.
Alguma geração vai ter que ser penalizada, seja essa ou a próxima. Nenhum
político quer tomar esse ônus para si. Talvez por isso o presidente Temer tem
entrando mais firmemente na discussão, dado que ele não foi eleito presidente,
ele foi eleito vice-presidente. Por isso ele pode tratar o assunto de maneira
mais contundente já que, o fato dele não ter sido eleito, dilui um pouco seu
custo político.
BJ:
Até que ponto o fato do Congresso não querer arcar com o ônus e a atual situação política do país podem
inviabilizar a aprovação da reforma previdenciária?
Antônio
Bruno Morales: Vai depender muito de como a Câmara
e o Senado irão se organizar. Depende muito do contexto político. De qualquer
forma, as partes que são mais interessadas são as que sofrem mais. Existe um
conflito em economia política que diz que as pessoas que vão atrás são as
pessoas que estão sofrendo, no caso da reforma é quem está para se aposentar.
Por outro lado, as pessoas que seriam as mais beneficiadas no longo prazo, no
caso os jovens e até a população como um todo não se mobilizam. Às vezes por
desconhecer benefícios que a reforma pode provocar no curto prazo, como por
exemplo a queda dos juros.
BJ: Considerando
o Congresso Nacional que temos hoje e as propostas que já foram aprovadas e
recusadas por ele nesse governo e no anterior, qual a disponibilidade dos
congressistas em aprovar ou recusar as propostas da reforma da Previdência?
Antônio
Bruno Morales: Acredito que é um ponto difícil e
que, com certeza, vai gerar diversos conflitos. Temos que abrir mais o debate
de forma mais consistente, tentando mobilizar mais a opinião pública a ter mais
acesso ao Congresso e exercer mais pressão.
BJ: Analisando
a história de nossa Previdência Social ao longo dos anos, quais são os pontos
positivos e os pontos negativos de nosso sistema previdenciário da forma que
ele está estruturado atualmente?
Antônio
Bruno Morales: Em ternos de sistema, o principal
problema é que o contribuinte de hoje paga para o aposentado de hoje, ou seja,
é um sistema em que você beneficia quem já está aposentado. O ideal, ou menos
oneroso em termos de governo, seria um sistema de capitalização, em que o
Estado capta o dinheiro contribuído, via algum título público ou alguma forma
de remuneração, e quando o cidadão for se aposentar recebe de volta o dinheiro
que ele pagou ou contribuiu. Em termos práticos isso é mais oneroso de se
fazer, principalmente porque há um conflito de gerações, como eu já expliquei
anteriormente.
BJ: Até
que ponto a aposentadoria complementar, uma opção à aposentadoria tradicional,
é uma possibilidade positiva, sem esquecermos de considerar a realidade
econômica do país e a desigualdade social que ainda é alta no Brasil?
Antônio
Bruno Morales: O ponto principal é incentivar as
pessoas a pouparem desde cedo. Sempre faço uma analogia como a pessoa que faz
regime. A pessoa acorda disposta a começar o regime na segunda-feira, só que,
por um acaso, está chovendo e ele resolve não sair e fica na cama. A mesma
coisa acontece com as decisões de poupança. Acha-se que se é jovem ainda e que
não se precisa poupar agora. O caminho é fazer de forma sistemática as pessoas
reagirem a esse incentivo e ajudarem um pouco mais o Estado tomando a decisão
de poupar. Em termos práticos, é estimular as pessoas a fazerem a auto
aposentadoria.
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Pospostas para reformar a Previdência provocam dúvidas e geram incertezas Foto: ANPR (14/06/2016) Fotos Públicas |
BJ:
No que diz respeito à reforma
previdenciária, o incentivo à aposentadoria complementar não diminui a
responsabilidade do governo em relação à Previdência, passando para a
iniciativa privada o ganho real e garantido que seria do Estado?
Antônio
Bruno Morales: De certa maneira sim. Mas, por outro
ponto, a curto prazo, a responsabilidade maior do governo, em termos de
soluções, é subir a idade para se aposentar ou desatrelar a aposentadoria do
reajuste do salário mínimo, questões que tem que ser discutidas profundamente.
BJ: A
aposentadoria complementar na faz parte da cultura de nossas gerações. Qual a
possibilidade da Previdência Privada se tornar um hábito para as
gerações que vão ter que conviver com um novo regime previdenciário, caso a
reforma seja realmente aprovada? Qual a disponibilidade que essas gerações vão ter em investir em uma aposentadoria complementar?
Antônio
Bruno Morales: Depende muito de como nós geramos os
incentivos paras as pessoas. Os seres humanos, de uma maneira geral, reagem aos
incentivos, sejam eles positivos ou negativos. Por alguma razão, especifica ou
cultural, por exemplo, o Japão poupa mais do que o Brasil. No nosso caso,
acredito que a responsabilidade do governo é criar na população a
conscientização de que seria produtivo para o país como um todo que as pessoas
poupassem um pouco mais, tanto no sentido do curto prazo, para gerar mais
investimento, quanto no sentido da Previdência.
BJ: Temos
como fazer uma reforma previdenciária definitiva ou daqui há alguns anos vamos
ter que fazer a reforma da reforma?
Antônio
Bruno Morales: Aparentemente e infelizmente não
existe uma reforma definitiva. Se analisarmos diversos países que enfrentam
esse mesmo problema, eventualmente, em dez anos, as condições demográficas
mudaram e ele tiveram que lidar com outros problemas. O ponto principal é que já
temos um horizonte de 20 ou 30 anos em que sabemos que a população vai
envelhecer e nossa base em ternos de população economicamente ativa vai
diminuir, no sentido que teremos proporcionalmente menos gente bancando as
pessoas aposentadas.
BJ: Em
ternos práticos, o que é mais importante agora?
Antônio
Bruno Morales: Qualitativamente falando, o pulo que
temos que dar é como encarar esse fato que vai acontecer. Isso é o principal
agora. Em termos de reforma definitiva acredito que não há. Daqui a 40, 50 anos
vamos ter outro tipo de comportamento demográfico. Podemos, através de análises
estatísticas, prevê um pouco desse comportamento, mas não sabemos o que
realmente vai acontecer e, eventualmente, teremos que nos adaptar a isso.
BJ: Quais
são os fatores externos ou não inerentes à situação da Previdência Social que
podem atrapalhar a reforma e impedir que ela aconteça de forma efetiva?
Antônio
Bruno Morales: Primeiramente o aspecto político.
Não vivemos um momento politicamente tranquilo, afinal acabamos de sofrer um
processo de impeachment da presidente Dilma. Além disso, a questão da ação
coletiva, ou seja, a mobilização de pessoas que em geral seriam melhores
beneficiadas. São questões comuns na literatura de economia. Tem um pouco
desses dois problemas, mas, no curto prazo, vejo a questão política como uma
dificuldade extra, além do baixo crescimento econômico que não vai se
resolver em um estalar de dedos. Temos projeções muito ruins para o final desse
ano e para 2017. Algo em torno de -3,6% e -3,8% de crescimento. Isso claramente
nos atrapalha em ternos de planos para reforma da Previdência.
BJ:
Alguém vai ter que pagar pelo ônus da
reforma. Quem vai pagá-lo?
Antônio
Bruno Morales: Provavelmente, em termos políticos,
será o Poder Executivo, no caso o presidente Michel Temer. Acredito que ele
parece estar disposto a isso. Porém, especificamente, no que diz respeito à
transição de sistemas entre reformas, acho que é a geração que se está para
aposentar. Talvez, por isso, as pessoas estejam correndo aos postos do INSS
para dar entrada no processo de efetivação de aposentadoria.