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Reforma da Previdência = Encruzilhada
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Na
última entrevista da série sobre a Reforma da Previdência, o economista Antônio
Bruno Carvalho Morales e a advogada previdenciária Marta Gueller debatem o tema e
comentam alguns pontos polêmicos das propostas do governo Temer.
BLOG DO JOAQUIM: Uma das discussões que têm provocado
divergências entre o governo e especialistas em relação à reforma e à estrutura
da Previdência é se há ou não déficit previdenciário. Qual a opinião dos
senhores a respeito?
MARTA
GUELLER: No meu ponto de vista esse déficit é uma criação
porque alguém tem que pagar a conta. Se você entrar no site da Anfip –
Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (www.anfip.org.br)
– vai verificar ali que existem os grandes devedores. Por que, se há uma dívida,
não se executa os grandes devedores da Previdência Social? As grandes empresas,
multinacionais, a União, os estados e municípios, todos eles devem para a
Previdência.
BJ: Então falta fiscalização?
MARTA
GUELLER: Ora, se há um déficit, ele é causado por falta
de execução dessas entidades. Segunda coisa, o déficit é cantado em função de
uma capitalização, igual ao regime chileno que não é o nosso. Se computarmos
apenas a contribuição do segurado e não incluir outros tributos, ao projetar
isso lá para 2050, se nada for feito, aí sim termos um déficit.
BJ: Existem distorções nas leis?
MARTA
GUELLER: Sim, existem distorções nas leis. Por exemplo,
defere-se auxílios-doença, mas não se tem peritos suficientes para fazer as
pericias nas pessoas que estão realmente doentes ou que recebem benefício por
invalidez. Às vezes, esses benefícios têm caráter reversivo, eles podem ser
cancelados, desde que essas pessoas sejam convocadas periodicamente para que
seja verificado se elas estão realmente incapacitadas.
BJ: Se essas distorções não são corrigidas, o que ocorre?
MARTA
GUELLER: Se não se faz isso ou se é omisso, claro que vai
se estar gerando uma despesa desnecessária. Essas pessoas deixam de contribuir
economicamente para a Nação e se transformam em um ônus causado por culpa da
inoperância do próprio sistema. Outro exemplo são as pensões por morte. Esses
benefícios têm mesmo de ser de 100%, já que houve uma diminuição no número de
pessoas naquele lar e, portanto, uma diminuição de despesas? Isso também tem de
ser mudado. E não se diminuir um direito social mudando o piso, desvinculando
do mínimo. Não há unidade mínima. Outro aspecto é que não se pode impor uma
idade mínima igual aos países superdesenvolvidos onde se paga o benéfico quando
realmente se aposenta. Aqui no Brasil, não. O aposentado continua trabalhando
porque começa a trabalhar muito cedo e tem que continuar trabalhando mesmo
depois que alcançou a aposentadoria. Tem que haver um debate com a sociedade
antes.
BJ: De que modo isso favorece a afirmação de que a Previdência
está quebrada?
MARTA
GULLER: Não se pode partir de uma premissa, que não é
verdadeira, e que diz que a Previdência está quebrada. Ora, se está quebrada,
porque é que eu vou contribuir? Porque sou obrigado. Eles descontam do meu
salário. O brasileiro é muito criativo também. Ele cria artifícios. O próprio
Poder Legislativo faz leis para desonerar aquele que está contribuindo. Daí ele
vai contribuir menos, vai ter um benefício menor. Foi assim que se criou a
terceirização no Brasil. Se você vai na Justiça do Trabalho vai ver que há um
número enorme de ações para reconhecer um vínculo trabalhista quando essas
pessoas trabalharam, geraram economia, mas não contribuíram para a Presidência.
Oficializou-se esse tipo de relação. A terceirização virou uma fórmula do
empregador não pagar a parte dele.
BJ: Qual a melhor maneira de resolver essa questão?
MARTA
GUELLER: Temos que escrever tudo de novo, mas não sem a
discussão e a participação ampla da sociedade. Mandar uma reforma escrita para
ser aprovada a toque de caixa porque isso seria a salvação da economia
brasileira não resolve. O Brasil está inserido no planeta terra e o planeta terra está em
crise. Não dá para dizer que a culpa é da Previdência.
ANTÔNIO
BRUNO MORALES: Primeiramente, gostaria de ressaltar
que eu e a Doutora Marta temos pontos de acordo. De fato, eu também acho
surreal a forma de aposentadoria dos militares. Também acho que quando alguém
vem a óbito é obvio que tem que se dá auxilio à família, mas talvez nós
estejamos conduzindo isso de maneira errada.
Porém, discordo em relação ao que foi falado sobre o déficit. Nós temos
um déficit real. Projeções do governo estimam que chegue a R$ 100 bilhões esse
ano. Temos um problema econômico pratico, de fato.
BJ: Do ponto de vista legal, com o que é que o senhor também
concorda e qual solução vê no curto prazo?
ANTÔNIO
BRUNO MORALES: Do ponto de vista legal não estou
habilitado a julgar quem deve o que, mas do ponto de vista de um economista que
tem que gerar receita, temos que lidar com esse problema. Acredito que, pelo
menos a curto prazo, a melhor solução é termos uma idade mínima superior.
Talvez não a mesma dos países desenvolvidos, talvez a maneira como isso está
sendo conduzido, e aí concordo com a Marta, a sociedade como um todo tem de
participar desse processo. Tem que ir às ruas. Concordo também que os que são
mais interessados são os que estão se mobilizando. Isso também é fato porque na
prática são eles que vão sofrer no curto prazo. Eles já estão aí vendo a
discussão como um todo afetando a vida deles e nem tanto a dos mais jovens.
MARTA
GULLER: Ainda em relação à idade mínima, no Acre, por
exemplo, a expectativa de sobrevida não é essa do IBGE ou a mesma para o
sudeste. Lá as pessoas chegam aos 63 anos. Se você puser uma idade mínima de 65
anos, ninguém vai receber benefício nenhum.
BJ: O presidente Temer afirma que todos têm que uma parcela de
sacrifício para que a reforma ocorra e para que os problemas da Previdência
Social sejam resolvidos. Dá para colocar todo mundo em um mesmo patamar?
ANTÔNIO
BRUNO MORALES: Acredito que não. É obvio que quem
vai sofrer mais são os mais pobres. Historicamente é assim. O discurso parece
que está levando a isso. Como economista fico chateado com esse fato, mas é um
fato. Acredito que, usando as palavras da Doutora Marta, deveria haver um certo
tipo de desigualdade para gerir isso. De forma melhor e mais humanitária.
MARTA
GULLER: Na minha opinião, as mulheres vão pagar com
maior sacrifício porque eles querem igualar homens e mulheres. Hoje as mulheres
se aposentam com 30 anos de contribuição, os homens com 35 anos. No regime
geral, sem idade mínima. No regime próprio, elas se aposentam também com 30
anos e 35, os homens, mas com idade mínima de 55 para as mulheres e de 60 para
os homens. Tem que ter os dois requisitos para se obter o benefício. O que acha
que vai acontecer no regime geral? Eles vão criar uma idade mínima, que a gente
não sabe se vai ser aprovada uma idade mínima de 60 para as mulheres e 65 anos
para os homens, mas que vai ter essa desigualdade. A princípio, o que se
pretende é igualar homens e mulheres. Há quem vá dizer que elas são iguais para
tantas coisas, e elas querem ser iguais aos homens, mas, no mercado de
trabalho, não são.
BJ: E em relação à escolaridade?
MARTA
GULLER: Em relação à escolaridade você tem menos
desigualdade entre salários e oportunidades de emprego para homens e mulheres.
Porém, se formos verificar nas camadas mais pobres, os salários são diferentes.
As mulheres ganham menos. E ainda tem a questão da tripla jornada. Eu sou a
favor de continuarmos com a diferença de idade entre homens e mulheres, apesar
de, estatisticamente, as mulheres viverem mais. Porém, vivem mais porque se
cuidam mais. Fazem exames preventivos com maior frequência, são mais cuidadosas.
Entretanto, por serem mais cuidadosas, não podem pagar mais por isso. Pelos
menos enquanto houver essa diferença de tratamento e esse preconceito em
relação à mulher que engravida, que se afasta do trabalho.
BJ: Os casais estão tendo menos filho. Qual a possibilidade
desse fato também ser considerado e contemplado na reforma previdenciária?
MARTA
GULLER: Se nós estamos preocupados com o déficit e a
crise da Previdência temos que fazer alguma coisa para incentivar esse
crescimento vegetativo que parece que em pouco tempo será negativo, já que hoje
cada mulher quando tem filho tem apenas um. Você não pode ter um e meio, então
só tem um. O governo deveria prevê na reforma alguma coisa que ajudasse a
incentivar as mulheres a terem filhos.
Já que estão nos comparando aos países superdesenvolvidos como a Suécia,
lá as mulheres podem ter 24 meses de licença maternidade. Então, porque não
colocar isso aqui no Brasil? Alguma coisa tem que ser feita para que a mulher
se veja com vontade de ter um filho, um brasileirinho para fazer um país
melhor.
BJ: Nos últimos anos, o Mercado tem influenciado muito as
decisões adotadas pelos governantes brasileiros. Por outro lado, os interesses
políticos têm condicionados os governos, tornando-os reféns dos humores das
agremiações partidárias. Qual o peso que o Mercado vai ter na reforma da
Previdência?
ANTÔNIO
BRUNO MORALES: Principalmente nesse momento é um
peso que não é desconsiderável. É um
peso até muito importante. Primeiro porque, um dos principais fatores para nós
discutimos, além do déficit, é o fato de estarmos em crise em termos de PIB.
Estamos com expectativas de taxas de crescimento negativas, tanto para esse ano
quanto para o ano que vem. Isso naturalmente dificulta as contas porque ao
crescer menos, arrecadamos menos. Geramos menos renda e isso naturalmente
dificulta o processo. Em termos político, isso vai refletir também de forma
natural, principalmente porque o governo atual é um governo de transição
resultante de um processo de impeachment e o Congresso, o Senado e o Executivo
ainda estão se readaptando.
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Reforma deixa a aposentadoria tranquila mais distante
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BJ: Como fazer com que o que entra como contribuição sai como
benefício sem provocar prejuízos sociais?
MARTA
GUELLER: Fazendo as reformas que são necessárias e a
lição de casa que o INSS não faz hoje. Contratando peritos, existem estudos que
dizem que quando a pessoa está doente ele tem que ficar o menor tempo possível
afastada do trabalho porque ela vai voltar à atividade mais rápido. Hoje a
pessoa que está doente vai ao SUS que, mediante uma cartinha dada pelo
empregador, dá o afastamento por 15 dias e passou disso ele entra na caixa e
começa a receber o benefício. No máximo, dependendo da atividade que se exerce,
em 30 dias já se pode voltar ao trabalho, mas o hospital, em caso de
necessidade de cirurgia, só vai ter disponibilidade só nos próximos dois anos e
meio. Então, ele vai ficar 30 meses esperando por uma cirurgia e só voltar para
o trabalho somente um mês depois da recuperação. Nem ele nem o empregador vão
aceitar um ao outro. Está tudo errado.
BJ: Existem hoje cerca de R$ 370 bilhões que deixam de ser
arrecadados pela Previdência. Segundo informações Ministério da Previdência Social, decorrete falta
de pagamento da contribuição previdenciária por parte de grandes empresas,
clubes de futebol, multinacionais, universidades, prefeituras, conglomerados jornalísticos, etc.
Porque esses grupos não são cobrados devidamente pela Previdência?
MARTA
GUELLER: Essa é a questão que não quer calar. Eles são
cobrados, há uma execução, o Procurador do INSS ajuíza a ação de execução, eles
se defendem, o processo de alonga e pode durar até 24 anos. Nesse período vem o
Refis, que é o refinanciamento, daí vem uma lei que permite o parcelamento em
20 anos de uma dívida que rolou por quase três décadas e sabe-se lá como vai
ser paga. É esse o problema do Brasil.
ANTÔNIO
BRUNO MORALES: Concordo 100%, principalmente em
termos de economia política. Parece que, aparentemente, todos esses grupos que
foram citados que, por algum motivo que não sei qual, são beneficiados de
maneira desigual. O ideal é que fossem cobrados de maneira adequada, mas
sabemos que temos lobbys políticos com interesses contrários.
BJ: Qual a melhor expectativa em relação à reforma da Previdência?
ANTÔNIO
BRUNO MORALES: A melhor expectativa é que nós, pelo
menos, primeiro, comecemos a discutir mais profundamente a reforma em si, o que
parece do ponto de vista prático está acontecendo e, segundo, que nós possamos
dar um passo bastante grande para resolver esse problema de déficit que não é
nada novo, embora ainda vejo com certo pessimismo, mas acredito que, ao
levantar o debate, ele torne a situação menos pior.
BJ: O que a população deve fazer para garantir um reforma justa
e cidadã?
MARTA
GUELER: A população tem que participar e está atenta.
Não precisa correr aos postos do INSS porque quem tem direito hoje de requerer o
benefício e não requerer, se vier uma mudança, ele tem o que chamamos de
Direito Adquirido. Ou seja, já preencheu todos os requisitos para obter o
benefício, mas ainda não exerceu o direito. Isso vai ser mantido porque a
Constituição atual garante esse direito como uma clausula pétrea, nenhuma
emenda constitucional pode mudá-la. No ato jurídico perfeito não se pode mexer
na coisa julgada nem no direito adquirido. Nem por isso, pode-se deixar de
discutir a reforma, acompanhar e se manifestar. Portanto, cobre do seu
representante na Câmara e no Senado uma posição favorável a todos. Hoje é muito
fácil se comunicar com os deputados e senadores. Basta entrar nos sites da
Câmara e do Senado. Vá e faça sua parte.