30 de abr. de 2017

INTENSO E ENIGMÁTICO

BELCHIOR, MORRE BELCHIOR, APENAS UM RAPAZ LATINO AMERICANO, DISCO ALUCINAÇÃO, SOBRAL, CEARÁ.
Artista de criatividade intensa, Belchior morreu aos 70 anos
Foto: Divulgação

De nome comprido e talento de primeira grandeza, o cantor e compositor Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, o Belchior, morreu hoje (30), aos 70 anos, aparentemente de causas naturais, em Santa Cruz do Sul (RS).

Belchior era o décimo terceiro filho de uma família de 23 irmãos (13 mulheres e 10 homens). A paixão espontânea pela música desabrochou cedo no garoto de Sobral, cidade do interior do Ceará.

O dom, que mais tarde seria reconhecido como criatividade à flor da pele, foi influenciado e amparado pelo talento amador do avô que tocava instrumentos musicais, da mãe que era corista de igreja e de alguns tios, seresteiros e tocadores de violão.

Em 1971, depois de quatro anos cursando medicina, Belchior decidiu transformar todo seu talento artístico e seu conhecimento sobre filosofia, política, religião, ciência, em música de alta qualidade.

Com “A hora do almoço” venceu o Festival Universitário da Canção, em 1971. Em 1972, abandou o curso de medicina da Universidade Federal do Ceará para definitivamente trilhar os caminhos sem volta da música

Belchior considerava sua música contemporânea, nordestina e autobiografica, em determinado nível. Costumava afirmar que procurava com suas letras e canções apresentar uma vertente verbal e visual nova

O aspecto visual do concretismo em suas composições iniciais logo foi adotado, assumido, apoiado, vinculado e misturado à tradição da música nordestina e cearense, em particular.

Artista de grande talento e reconhecimento nacional, Belchior sempre buscou em seu trabalho misturar a novidade com a tradição. Conseguiu, como poucos, fazê-lo com sucesso e propriedade

Cantor e compositor que quase se tornou padre, Belchior, quando criança, tinha o hábito de fugir de casa. A partir de 2007, começou a sair de cena

Em 2008, Belchior resolveu se auto-exilar e fugir definitivamente do campo de visão do cotidiano, do alcance da fama e do sucesso, ao ponto de não comparecer ao sepultamento da mãe.

De comportamento intenso e ao mesmo tempo enigmático, Belchior transformou-se em uma esfinge: todos queriam decifrá-lo, mas ao mesmo tempo tinham respeito por sua decisão e pessoa, talvez por medo de serem devorados por ele.

Autocrítico bem-sucedido de sua geração, Belchior buscou insistentemente o novo, o momento presente da música popular brasileira.

Mesmo ausente do show business por uma decisão consciente, ele sempre foi uma presença marcante na MPB através da suas letras, canções e da história que construiu.

Apesar de sua reclusão determinada e de seu silêncio decidido, Belchior, o rebelde cearense e enigmático rapaz latino-americano, continuará presente no mundo através da intensidade de suas letras, da sonoridade marcante de suas músicas e da força perene e atemporal de suas canções.

RIP, Belchior!

BELCHIOR POR BELCHIOR

“O meu trabalho pretende, gostaria de ser, um objeto poético transformador. Que tende para os interesses da história do homem. Um objeto útil, enfim. Uma arte que sirva, que não seja ornamental. Uma arma na mão do homem para a conquista de si mesmo, do universo e dos espaços esquecidos. Tudo isso, claro, aparece como um universo, novo, jovem e cujo conhecimento só pode ser expresso em palavras novas. É uma utopia paradisíaca, de transformação pelo que é primitivo no homem” (Sobre si mesmo e seu trabalho. Em entrevista à Rádio Universitária FM)

“Essa música fala de uma pessoa do terceiro mundo na esquina do mundo. Na expectativa, dependente do resto do mundo, mas com uma capacidade tremenda de desdobramento, de resistência, de rebeldia de espírito, de novidade, de transformação, de poder novo, enfim. Assume de fato sermos latino-americanos sendo brasileiros, cearenses, e justamente participantes da fraternidade latino-americana. Fala de “desinsular” a cultura, de fazer com que a cultura seja penetrante, troque energias com todos os espaços. Mas, também é uma música irônica, satírica, de humor branco, negro, amarelo e vermelho sobre a situação das pessoas da Latina América”. (Sobre a canção Apenas um rapaz latino-americano. Em entrevista à Rádio Universitária FM)

“O humor cearense está sempre presente na minha música. É uma ironia característica da nossa cultura, mas que também contém uma certa graça. Não quero dizer que minha música contenha naturalmente um humor explícito ou que eu faça uma música satírica do ponto de vista convencional. Todos esses dados aparecem diluídos no meu trabalho de um modo muito fino e sutil, o que aumenta cada vez mais o teor e a carga de ironia. (Sobre o tom humorado de suas letras e canções. Em entrevista à Rádio Universitária FM).

“Foi uma música que estava pronta há mais de um ano esperando a gravação de um artista competente. Foi a que mais marcou a minha vida de artista e cidadão naquele momento. Foi a música que mais simbolizou o movimento espiritual, todo o momento da juventude brasileira naquela circunstância e que também teve a sorte e a felicidade de ser interpretada por Elis, acrescentando ao material por si mesmo rico e complexo, o poder de sugestão da voz de Elis, o poder de invenção da voz de Elis. (Sobre “Como os nossos pais”. Em entrevista à Rádio Universitária FM).

“O meu trabalho tem uma continuidade, no sentido de que a cada disco eu vou tentando completar aquilo que está cantado anteriormente. Naturalmente que tudo isso está acrescido de comportamentos criativos novos, da tentativa de descobrir novas formas de cantar, de dizer,de pensar o ato de fazer música e de apresentar essa nordestinidade nova, de uma “cearensidade” aberta para o mundo. O meu trabalho vem tentado tudo isso de um modo muito amplo, no sentido de abrir uma perspectiva para o mundo todo mesmo, de tal forma que meu trabalho possa ser ouvido e interpretado como um trabalho de plena contemporaneidade”. (Sobre o significado de seu trabalho. Em entrevista à Rádio Universitária FM.).

“O tema básico de minha música é o espírito de minha geração, a vida cotidiana do cidadão comum. É uma tentativa de retratar de um modo bastante característico, individual, pessoal, a vida do homem brasileiro do meu tempo, de tal forma que a fonte de expressão continua sendo a observação direta e imediata da vida mesmo”. (Sobre sua fonte de inspiração. Em entrevista a Josué Mariano.).

“É mais o critério da criatividade, do meu esforço criativo, o momento de liberdade de criação e de expressão. Como não faço um trabalho voltado imediatamente para o sucesso, ou o sucesso imediatista, eu uso como critério para escolha das canções ou para a própria feitura delas, o critério mais artístico, mais expressional e mais poético, desligado do rádio, da televisão e de se a música vai fazer sucesso ou não. Me preocupo realmente com o exercício do meu ofício de artista e de cantor. Se a música fizer sucesso, vem por acréscimo”.  (Sobre o critério que usa para compor suas canções. Em entrevista a Josué Mariano).

“Sou um operário da minha música e estou ligado ao meu trabalho diariamente. (...) Gosto muito do exercício do meu ofício porque ele combina o prazer com o fazer e a criação com o exercício contínuo da vida comum. Tenho uma visão artística ligada mais com o fazer, com o trabalho, do que com uma visão mais brilhante, que me parece mais tola”. (Sobre o seu ofício. Em entrevista a Josué Mariano). 

“Eu gostaria de ter uma mensagem muito concreta, muito direta, que pudesse salvar as pessoas, encaminhá-las, mas eu não tenho essa mensagem sequer para mim, de tal forma que eu acho que não devem me seguir porque eu também estou perdido. Cada um deve fazer ou encontrar seu caminho. Sobretudo, não façam como meu, inventem. Ou melhor, façam como eu: inventem!”. (Sobre qual mensagem deixaria para os fãs. Em entrevista a Josué Mariano).



Local: SÃO PAULO Brasil

0 comentários:

Postar um comentário

Política de moderação de comentários: A legislação brasileira prevê a possibilidade de se responsabilizar o blogueiro ou o jornalista responsável por blogs e/ou sites e portais de notícias, inclusive quanto a comentários. Portanto, o jornalista responsável por este Blog reserva a si o direito de não publicar comentários que firam a lei, a ética ou quaisquer outros princípios da boa convivência. Não serão aceitos comentários anônimos ou que envolvam crimes de calúnia, ofensa, falsidade ideológica, multiplicidade de nomes para um mesmo IP ou invasão de privacidade pessoal e/ou familiar a qualquer pessoa. Comentários sobre assuntos que não são tratados aqui também poderão ser suprimidos, bem como comentários com links. Este é um espaço público e coletivo e merece ser mantido limpo para o bem-estar de todos nós.